Motorista de ônibus at Blog Ayrton Marcondes

Motorista de ônibus

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Imagine-se um motorista de ônibus no vai-e-vem do dia-a-dia do louco trânsito da cidade de São Paulo. Segue adiante, para no ponto, segue novamente para passar um sinal amarelando e depois parar no ponto seguinte onde descem e sobem passageiros. É assim nas horas todas e diárias do trabalho com direito a uma parada para a refeição. Assim vai, a vida passa diante do para-brisa largo do ônibus através do qual tudo se desenrola como num filme, exigindo atenção. Muita atenção.

Imagine, também, que você é o mesmo motorista, mas num dia em que não acordou bem, não se sentindo bem, mas foi trabalhar assim mesmo, afinal os ônibus não podem parar, o transporte coletivo não pode parar. Então você chega ao trabalho e logo tudo começa tudo de novo, como será amanhã, como foram todos os dias nesses anos de trabalho como motorista.

E lá está você, no trajeto de sempre, parando e seguindo, seguindo e parando, desconhecidos entrando e saindo no ônibus diante do seu olhar indiferente porque é sempre do mesmo jeito, assim mesmo.

 Você está dirigindo, de vez em quando se lembra da família, das despesas da casa, do salário magro que quase não dá, dos filhos que vão à escola, da mulher que faz o café para você antes de sair para o trabalho, para que possa ser um bem comportado e competente motorista de ônibus.

Os dias são iguais, terrivelmente iguais, mas você não dá importância para isso porque as ruas são iguais e a vida é igual. Neste dia está tudo bem, o ônibus segue adiante, não há muitos passageiros tanto que ninguém está em pé. Você olha pelo retrovisor, vê as caras monótonas dos passageiros, todos sentados e quietos, na verdade menos um deles, um cara bem lá atrás que, de vez em quando, fala alguma coisa rápida e que não dá a entender.

Está tudo bem, tudo continua bem até que você sente algo estranho, algo que nunca sentiu e, de repente, você nem sabe onde está e o que está fazendo. Você passa mal e já não percebe, mas continua sendo o motorista que dirige o ônibus só que agora não o está dirigindo. Daí acontece o que tem que acontecer, uma pessoa é atropelada.. O restante é impossível de descrever porque aqueles rapazes do baile funk ouvem o barulho, saem à rua e resolvem fazer justiça eles mesmos porque está ali uma pessoa atropelada e morta. Você mal vê o que acontece, essa turma começa a bater em você, no começo dói muito, depois já nem sente dor e perde, definitivamente, a consciência.

Imagine essa desgraça toda acontecendo justo com você que acabou sendo linchado e chegou morto ao hospital. Os médicos não sabem se você morreu por ter passado mal ou se foi por ter apanhado demais da turma do funk. Talvez não interesse mais a você, agora morto, saber que os rapazes do funk , enfurecidos, depredaram o ônibus e soltaram os freios dele numa ladeira  daí a colisão com dois veículos estacionados.

Imagine uma desgraça dessas que acabou com a sua vida e rompeu as amarras que o prendiam à direção do ônibus.

Se você não quiser imaginar nada disso fique com a realidade: esse fato aconteceu ontem, numa rua de bairro, em São Paulo.



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