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Morte no mar

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Leio que um rapaz caiu no mar e morreu. Ele participava de um cruzeiro marítimo pela costa brasileira. Na região de Ilhabela o rapaz sentou-se no corrimão do navio, desequilibrou-se, e caiu do 14º andar. Amigos presentes tentaram salvá-lo atirando boias ao mar. Inutilmente. Embora resgatado, o rapaz não resistiu aos ferimentos e morreu.

A memória é uma caixa de surpresas. Por alguma razão a morte desse rapaz devolveu-me outra, acontecida nos meus tempos de menino. Morávamos em pequena cidade da Serra da Mantiqueira. Meu pai era um sujeito voluntarioso que não desdenhava de oportunidades de ação e participação em aventuras. Certa noite parou em minha casa um grupo de rapazes, vindos do Vale do Paraíba. Intencionavam participar de uma festa, não me lembro onde. Como não sabiam o caminho, pediram a ajuda de meu pai.

Partiram num caminhão, os rapazes na carroceria, cantando, talvez bebendo. Meu pai seguiu na cabine, junto com outro homem e o motorista. Dessas imagens não me recordo tão nitidamente: na ocasião eu era um menino de cerca de 7 anos de idade .

Do que bem me lembro: fomos acordados, em meio à madrugada, pela chegada de meu pai. Vinha ele apressado, falando alto, chamando por minha mãe. Eu e meus irmãos saltamos da cama a ver o que estava acontecendo. Meu pai, muito nervoso, contou a minha mãe que, no trajeto de volta, um dos rapazes caíra do caminhão e morrera.

A essa altura, corremos em direção à porta. O caminhão estava parado em frente à casa e, na carroceria, podia-se ver o corpo ensanguentado de um rapaz. As pessoas falavam depressa, nervosas, dizendo que ele bebera muito e por isso caíra.

Daquela madrugada guardei no fundo memória o corpo jovem, estendido na carroceria de um caminhão. Das faces que acompanhavam o rapaz, das vozes e coisas que disseram nada restou exceto a notícia da bebedeira e da queda.

Esse fato, longínquo e perdido, esteve soterrado na minha memória por décadas, até esta outra noite em que li sobre um rapaz que morreu em Ilhabela. De repente, eis que a noite do passado retorna com toda intensidade, trazendo a imagem de meu pai e do menino que fui.  Não me é possível fugir do impacto da morte que presenciei e se renova, da vida que escapa deixando um corpo inerte, imerso em sangue, fato incompreensível para o menino de então, algo rotineiro para o homem de hoje, ainda assim fato deplorável e absurdo.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 dezembro, 2010 às 9:39 pm

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