O caso do Dr. Roger at Blog Ayrton Marcondes

O caso do Dr. Roger

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Saiu a sentença condenatória do médico Roger Abdelmassih, acusado de abusar sexualmente de um grande número de suas pacientes. O crime estarreceu a opinião devido a alta posição social do médico e sua relevância no meio onde atuava. A descrição do modus operandi do médico pelas pacientes que o acusaram é nauseante: aproveitava-se ele, segundo elas, de momentos de torpor induzido por sedativos e anestésicos para abusar delas sexualmente.  Em outras ocasiões forçava suas pacientes a atos libidinosos.

Até ser preso gozava o Dr. Roger de alto conceito, sendo sua clínica referência no tratamento de casos de infertilidade. Com frequência o médico era visto em programas televisivos, chamado a opinar e dar conselhos sobre casos de infertilidade. Foi a esse homem, aparentemente acima de qualquer suspeita, que a juíza Kenarik Boujikian Felippe condenou a 278 anos de reclusão. A sentença é longa e apresenta, detalhadamente, o relato das mulheres vitimadas pela violência do médico.

Não é todo dia que acontece uma coisa assim. Infelizmente, estamos habituados a toda sorte de crimes, veja-se a escalada da violência ora em andamento no Rio de Janeiro. Entretanto, os crimes de que é acusado o Dr. Roger distanciam-se das práticas criminais cotidianamente observadas pelo nível de sordidez a eles implícito. Em primeiro lugar, o acusado é homem de formação superior e terá percorrido todas as esferas de aprimoramento ético exigido pela sua profissão. Além disso, exercia o seu ofício justamente num território onde as intimidades são reveladas e a confiança é mais que essencial. Então, o que aconteceu? Como explicar algo que foge completamente ao esperado e indigna a opinião?

Certamente, o caso do Dr. Roger exige estudos aprofundados de especialistas dispostos a vasculhar a alma humana. Uma simples tara? Uma deformação psíquica que encobre toda a racionalidade? Uma psicopatia clássica com quadro de ausência de sentimentos, falta de remorso, manipulação, egocentrismo e frieza?

Obviamente, o Dr. Roger nega todas as acusações. Em seu favor apresentou depoimentos de pacientes, gratas a ele pela excelência de seus serviços. Pesou contra ele, entretanto, o número de depoimentos de pacientes que se disseram abusadas sexualmente e que se encorajaram para procurar a Justiça. Nesse sentido a sentença da juíza foi taxativa, destacando ela que seria inimaginável para as pacientes que o médico em que depositavam tanta confiança pudesse praticar aqueles atos, beijá-las na boca, “com língua”, ou que ele pudesse passar a mão em seus corpos, e ainda, em alguns casos, praticassem ato libidinoso invasivo (conjunção carnal ou anal).

Há profissões que podem dar àqueles que as praticam eventuais ou duradouras sensações de superioridade ou até de divindade. Situações dessa natureza em geral envolvem a conjunção de temperamentos demasiado egocêntricos com sucesso na prática profissional. Observam-se graus variados desse tipo de distorção, não sendo incomum a observação delas nos mais variados meios. Em relação ao Dr. Roger afirmou a Dra. Kenaric que ele usou de violência contra as vítimas, comprovando-se que o réu está a delinquir de longa data, de forma reiterada, enfrentando as vítimas, com menoscabo à Justiça, assumindo posição de superioridade, de ser inatingível.

É possível que o leitor dessas mal traçadas já tenha cruzado com pessoas cujo perfil apresente componentes ligadas à ideia de superioridade e menoscabo aos seus semelhantes. À falta de ânimo para falar de casos concretos fico com a ficção. O filme “Apocalipse Now”, dirigido por Francis Ford Coppola, é uma adaptação cinematográfica do livro “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad. No filme, um capitão, Willard, recebe ordem para matar um coronel que enlouqueceu nas selvas do Camboja, isso durante a Guerra do Vietnam. O coronel Kurtz é um ídolo dos nativos e ignora as referências de civilização, agindo como se fora um Deus. Em seus domínios reina o sofrimento e a barbaridade. Kurtz é um desses que de repente imagina-se acima dos outros e das regras, comportando-se como se fora inatingível.

O caso do Dr. Roger Abdelmassih inquieta e convida à reflexão.



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