Criador e criatura at Blog Ayrton Marcondes

Criador e criatura

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A literatura é rica em casos envolvendo criador e criatura. A relação também se verifica em muitas outras situações como a de atores que interpretam personagens em séries e acabam tendo dificuldade em se livrar deles. Caso famoso é o de Sean Connery que, vida afora, fez o possível para livrar-se de 007, o agente britânico com licença para matar.

Na literatura as relações entre criador e criatura nem sempre são pacíficas. Leitores de contos e romances conhecem narrativas famosas nas quais a criatura volta-se contra o criador, sendo essa situação muito utilizada em filmes.

Felizmente, na vida real os casos de revolta da criatura contra o criador são mais raros. Isso nos permite ponderar se na ficção não existe algum exagero dos escritores em acrescentar muita tensão em situações envolvendo aquele que cria com a sua criação.

A política é pródiga em situações nas quais a herança de um político importante é transmitida a outro sob a forma de prestígio e transferência de votos. Embora nem sempre se possa falar em criador e criatura, também no setor das atividades políticas as coisas nem sempre dão certo. Nas últimas eleições, por exemplo, o senador pelo Ceará, Tasso Jereissati, considerou-se traído pelos irmãos Gomes aos quais introduziu na política; e, para ficar em poucos casos, veja-se o episódio em que Paulo Maluf investiu todo o seu prestígio político em Celso Pitta.

Acaba de ser eleita para a presidência da República aquela que pode ser considerada uma criação do atual presidente. Sem o prestígio político dele ela nem sonharia alcançar o alto cargo que virá a ocupar. Trata-se de pessoa sobre quem pouco se sabe. No geral imagina-se que o atual presidente zele pela pessoa que criou politicamente, senão que a tutele. Ocorre que a presidência da República é um cargo alto demais para que alguém que o ocupe se anule ou o exerça sob tutela. Mais que isso, é lícito supor que ninguém que se torne primeiro mandatário de um país esteja imune às benesses do cargo e o faça com o despojamento sugerido pela transitoriedade. Seria exigir demais. Dirão que tal despojamento aconteceu antes, na Argentina, quando o vitorioso Hector Campora, imediatamente renunciou ao cargo para que Juan Domingo Perón se tornasse presidente da República. Mas, nesse caso, fez-se valer a febre do peronismo, sempre em alta como recentemente se viu por ocasião da morte do ex-presidente Nestor Kichner.

O que acontecerá no Brasil só o tempo dirá. Se a presidente eleita vai ou não, ao final de seu mandato de quatro anos, renunciar ao seu direito de candidatar-se novamente só para agradecer ao homem que a promoveu, não se sabe. Se ela governará segundo as previsões do atual presidente é outra incógnita. Se a futura presidente não se deixará influenciar pelas pressões de correligionários descontentes com o atual presidente, também não se sabe.

São coisas assim que fazem a vida interessante. Quem sabe tudo venha a ocorrer dentro do previsto e acordado. Entretanto, vale lembrar aquele ensinamento de matuto desconfiado qual seja o de que não se dá carta branca a ninguém. Acrescente-se, ainda, que se a presidente eleita não se sair conforme a encomenda e adotar rota própria - o pouco que se sabe do passado dela, indica que isso possa ocorrer – também vai ser curioso, muito curioso, dir-se-ia até instigante.



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