A Bienal e “Inimigos” at Blog Ayrton Marcondes

A Bienal e “Inimigos”

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Está na berlinda a obra “Inimigos”, do artista pernambucano Gil Vicente. Da sua obra, a ser exibida na próxima Bienal de São Paulo, constam quadros em que ele, o artista, aparece assassinando algumas personalidades. Fernando Henrique Cardoso vai receber tiro na cabeça; Lula está prestes a ser degolado. Outras personalidades são assassinadas por meios diferentes.

A OAB-SP protesta por entender que os quadros fazem apologia do crime. Para a OAB as obras mostram o desprezo do artista pelas figuras humanas e o desrespeito pelas instituições que elas representam, daí incitarem ao crime. Reconhecendo que não se pode impedir que uma obra seja criada a OAB-SP afirma que deve-se impedir a exposição em espaço público de obra que afronta a paz social.

A Fundação Bienal considerou tentativa de censura a manifestação da OAB-SP e reafirmou a exibição da obra. E Gil Vicente esclarece que sua intenção foi a de descarregar o inconsciente.

Desde que o grande iconoclasta Marcel Duchamp rompeu com todas as convenções estéticas e foi acusado de matar a arte o mundo da pintura e da escultura pode entregar-se a toda sorte de experimentações. Vanguardista à frente da própria vanguarda, Duchamp assombrou espíritos e intelectos com os seus readymades. Trabalhos como “Roda de Bicicleta”, constituído de uma roda de bicicleta sobre uma banqueta branca de cozinha e “Fonte”, nada mais que um mictório de louça virado para baixo, são readymades famosos. “Fonte” chocou até mesmo os mais avançados modernistas que viram obscenidade na obra classificando-a como “não artística”.  Daí por diante Duchamp não refreou sua busca de individualidade, ainda que suas obras pudessem ser entendidas como antiarte.

A citação de Duchamp é feita com o intuito de lembrar que trabalhos aparentemente estranhos podem ter significados maiores, por vezes no futuro. Não há ensaio sobre o modernismo que não se demore na obra de Duchamp, marco de época, por mais bizarra que ainda pareça ser a pessoas que nelas não vejam qualquer significado.

Entretanto, essa não parece ser a sorte dos trabalhos de Gil Vicente. As reproduções de seus quadros da série “Inimigos”, publicadas pela mídia, não diferem muito de cenas de crime que estamos habituados a ver. Copiam a realidade, acrescentando a ela um único ingrediente capaz de chamar a atenção: o fragrante de assassinato envolve personalidades conhecidas. Nada mais atrai a atenção para “Inimigos” do que isso.

E aí? Quem tem razão? De que lado ficamos? Para começar, no caso pouca importam as intenções do artista de vez que obras têm personalidade própria e, quando terminadas, independem de quem as produziu. No mais, a exaustiva polêmica, de um lado sobre censura, de outro de afronta à paz social, talvez careça de sentido. O fato é que Bienal não deveria expor “Inimigos” por uma razão bem mais simples: trata-se do mais puro kitsch. Por isso, e apenas por isso, a obra não vale ser exposta.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 setembro, 2010 às 9:09 pm

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