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As minhas palmadas

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Por favor, deixem as minhas palmadas intocadas. Elas vieram das mãos de minha mãe, já falecida. Teve ela, para dá-las, as suas razões, com as quais certamente não concordei ao recebê-las.

É preciso considerar que as mãos de minha mãe traziam, nas palmadas que tão precisamente aplicavam, a tradição e a cultura de tempos pregressos, habilitadas em formar homens. Eram mãos que buscavam não pecar pelo exagero, baseando-se num conceito de justiça certamente elementar, mas eficiente.

Lembro-me que, por ocasião do enterro de minha mãe, no instante em que fecharam o caixão, a última coisa que vi dela foram justamente as suas mãos que, finalmente, repousavam sobre o corpo esquálido, consumido pela longa doença. Mãos imóveis que se despediam do mundo com a certeza de dever cumprido, de tradição repassada, de geração continuada.

Mas, repito, por favor, deixem as minhas palmadas intocadas. Elas me pertencem e constituem-se numa ligação perene com minha mãe e os princípios com que ela me criou, os quais têm norteado a minha vida. Não faço o pedido em vão: acabam de aprovar uma lei proibindo as palmadas. A lei foi assinada pelo próprio presidente da Republica e certamente proposta por gente entendida em educação, com a intenção de coibir tantas violências que se cometem contra crianças.

Não há como discordar da lei que condena as palmadas, afinal lei é lei e o governo deve saber bem o que está fazendo.

Todo mundo sabe que qualquer lei só passa a valer depois de promulgada, daí não ter efeito retroativo. Entretanto, a lei das palmadas me parece uma daquelas estabelecidas para corrigir erros anteriores que não podem continuar acontecendo. Se assim for, pelo menos em conceito, a minha mãe terá agido errado e com isso não posso concordar.

Portanto, ao pedir que deixem as minhas palmadas intocadas, estou cumprindo um dever de cidadão e filho. Solicito, também, um adendo à lei, qual seja o de isentar de erro as milhares de mães brasileiras que, ao longo da história do país, fizeram de tudo para educar as suas proles.

Peço isso pela memória da minha mãe, por aquelas mãos que me abriram tantos caminhos.

Escrito por Ayrton Marcondes

1 agosto, 2010 às 2:37 pm

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