Buraco na parede, buraco na vida at Blog Ayrton Marcondes

Buraco na parede, buraco na vida

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Não é difícil imaginar o lugar. Trata-se de uma pequena galeria no centro da cidade onde existem cerca de 30 boxes de comércio. Você pode desenhá-la, se quiser: faça um retângulo; junto aos traços dos lados maiores coloque fileiras de boxes; no meio do retângulo desenhe uma só fileira de boxes abertos dos dois lados.

O que você não pode imaginar: a simplicidade do lugar. Aqui uma lan house com meia dúzia de computadores para acesso à internet; ao lado uma lojinha de roupas com dois manequins vestidos com roupas mal ajambradas; à frente um sapateiro; mais adiante um revendedor de pares de tênis de origem duvidosa; defronte, a lojinha do homem que conserta telefones; ao fundo, um salão de cabeleireiro onde mal cabem o profissional e a pessoa a quem atende. E assim por diante, numa sequência de simplicidades algo constrangedora e reveladora do perfil econômico dos consumidores que frequentam o lugar.

Os empresários das lojinhas convivem com a alternância de movimento comum ao comércio. São pessoas de rendas parcas que investiram o pouco que tinham nos negócios. Não é impossível a alguém que freqüente a galeria saber alguma coisa sobre os empresários: o jovem da lan house vai casar-se na próxima semana; a mulher que vende roupas é viúva e tem um filho em idade escolar; o sapateiro não só conserta calçados como vende botinas que recebe do interior; o cabeleireiro abriu seu salão há pouco tempo e cobra apenas sete reais pelo corte, visando fazer freguesia. Em comum para todos eles a luta pela vida, o sonho de melhorar só um pouco a dureza do dia-a-dia.

É nesse contexto que entra na história o buraco na parede. Ele é aberto por ladrões durante a noite, aproveitando o terreno vazio ao lado do imóvel onde fica a galeria. Feito o buraco os marginais entram na galeria e saqueiam todos os boxes. Do cabeleireiro levam as tesouras,  o secador, as toalhas e até o estabilizador de voltagem; da loja de conserto de telefones, todos os aparelhos que os clientes deixaram ali para consertar; da lojinha todas as peças de roupa; da lan house os seis computadores. E assim por diante, até que saem pela porta da frente com o produto do crime sem que ninguém os veja.

Não é possível descrever em detalhes o desespero dos empresários na manhã seguinte. O rapaz da lan house fecha seu negócio e avisa que vai adiar o seu casamento; o cabeleireiro sai atrás de um parente que empreste a ele algum dinheiro para a compra de tesouras e um secador; o homem que conserta telefones desespera-se porque não sabe como se justificar perante os clientes que deixaram ali os seus aparelhos; o sapateiro reclama pelas botas levadas e enfia a cabeça na meia-sola que precisa colocar num sapato; a mulher que vende roupas chora, inconsolável.

A polícia é chamada e corre o boato de que o crime foi obra de quatro ladrões. Os empresários conversam entre si, avaliando as possibilidades dos ladrões serem presos e assim recuperarem pelo menos alguns dos seus pertences. Horas depois chega a notícia de que os mesmos ladrões roubaram cinco casas na madrugada, mas que ainda não foram identificados e localizados.

No meio da tarde o buraco da parede é fechado. Fica o buraco nas vidas.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 outubro, 2009 às 8:08 am

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