2014 fevereiro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para fevereiro, 2014

Violência desmedida

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A morte de um cinegrafista da TV Bandeirantes comove e indigna a opinião. Não se trata de exigir um basta à violência coisa hoje em dia já nos figura como talvez impossível. Mais que isso o que se pergunta é até quando teremos que conviver e suportar a barbárie que já excedeu a todos os limites de tolerância.

A sensação de insegurança, a preocupação permanente com os familiares, a incerteza e a ideia de que de um instante para outro poderemos nos ver à mercê de algum bandido armado para quem a vida nada vale; tudo isso gera um sentimento de impotência, de fracasso, de ruina de uma civilização que vai perdendo o controle sobre si mesma. Ninguém sabe dizer qual será o fim dessa situação que se tornou cotidiana dada a sua incrível frequência.

Tenho medo de andar nas ruas; tenho medo quando fico dentro do carro em trânsito parado; tenho medo dos congestionamentos em estradas quando em viagem; tenho medo de arrastões em praias, restaurantes, shoppings centers etc; tenho medo de que entrem na minha casa. Tantas são as pessoas atacadas inesperadamente por criminosos que, ao sair de casa, corre-se sempre o risco de não voltar.

Uma personagem de Chico Anysio era um político que sempre começava os seus discursos dizendo: palavras são palavras… Pois é: palavras são palavras. E palavras de apoio moral são as que mais se ouvem hoje em dia quando uma família é penalizada pela abrupta perda de um de seus membros assassinado.

O cinegrafista filmava uma manifestação nas ruas do Rio de Janeiro quando foi atingido por uma bomba lançada por um rapaz agora procurado pela polícia. As cenas do momento em que foi atingido estão sendo exibidas continuamente na TV. Atingido ele cai e já não se levanta. Depois se soube que a explosão afetara o cérebro e ao estado de coma seguiu-se a morte. Estarrecida a classe dos jornalistas se levanta. A noticia da morte é reproduzida em importantes veículos de informação do exterior os quais, mais uma vez, se mostram preocupados com a Copa do Mundo a se realizar em breve no país. A presidente da República ordena que a Polícia Federal ajude na investigação do crime. Políticos não perdem a oportunidade de dizer palavras, as mesmas de sempre sobre o que é preciso fazer para coibir a criminalidade.

No mais? Ora, amanhã será outro dia. Em pouco o assassinato do cinegrafista passará ao segundo plano, substituído por novas atrocidades que deixarão atônita a opinião. Assim se passam as coisas, não?

O que existe paras ser dito, a única coisa que realmente faz sentido nessa hora é pedir que sejam deixadas de lado as palavras, as discussões estéreis, as tentativas de entendimento das mentes criminosas ou as razões que determinaram a situação atual.  Tudo isso é importante, não se nega, mas talvez não contribua de imediato para interromper a escalada da criminalidade. O que se precisa é deixar de lado os discursos exaltados, a retórica empolada, e estabelecer um pacto de ações que, entre outras medidas, envolva leis mais duras e punições a atos de vândalos e criminosos.

A morte do cinegrafista enquanto trabalhava é desses acontecimentos que doem na alma da gente.

Histórias de políticos

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Houve tempo em que a luta entre políticos em São Paulo girava em torno da disputa entre Jânio Quadros e Adhemar de Barros. Eram dois estilos diferentes de homens e ações. O jornal “O Estado de São Paulo” recusava-se a escrever o nome Adhemar daí as notícias sobre o antigo prefeito e governador virem com o famoso “A. de Barros”.

Adhemar era um típico político, muito hábil em torno do qual giravam seguidores e uma multidão de eleitores que lhe deram vitórias nas urnas. Tive a oportunidade de vê-lo em ação durante suas campanhas políticas nas quais percorria as cidades do interior em busca de votos. Ele era o tal no palanque. Falava fácil e sabia o que o povo queria ouvir, daí a imediata conquista da plateia que se reunia para ouvi-lo. Era do tipo que atrai a atenção queira-se ou não. Seu modo de administrar era o de tocador de obras, devendo-se a ele inúmeras realizações hoje existentes. Era o Adhemar do “rouba, mas faz” dito por um adversário, mas adotado em suas campanhas.

Ontem faleceu o filho do antigo interventor e governador. Adhemar de Barros Filho foi empresário e militou na política em algumas legislaturas como deputado. Tive a oportunidade de conhece-lo certa vez em seu escritório na Av. Faria Lima. Um amigo cujo tio era deputado estadual foi enviado por ele ao Adhemarzinho de quem esperava um favor. O interessante é que, na conversa entre tio e sobrinho, o tio referiu-se ao Adhemarzinho como “Douradinho”.   - Vá ao Douradinho, disse o tio.

Quando saímos do escritório do tio deputado perguntei ao meu amigo sobre essa história de “Douradinho”. Ele me explicou que o “Adhemarzão” era conhecido entre os mais próximos como “Dourado” ou “Douradão”.

Então se foi o “Douradinho”. Passo a passo o mundo soterra o passado e novos atores entram em cena gozando de suas eternidades precárias. De longe observamos a peça que se desenrola a cada dia nesse imenso palco que é a vida. Até que chegue a nossa vez.

Fevereiro

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E fevereiro caminha. O procurado ex-diretor do Banco do
Brasil, Pizzolato, foi preso na Itália onde entrou com documentos falsos. A tia
dele disse que o sobrinho sujou o nome da família. Ela tinha visitas em casa
quando ouviu pela TV a notícia da prisão do sobrinho. Diz que grande foi o seu
constrangimento.

Imagino. As famílias costumam desconversar quando alguma de
suas ovelhas deserta do bando, descarrilhando. Minha mãe tinha um sobrinho que andou
perdido na safadeza e depois se regenerou. Não se tocava no nome dele. Parece
que se alguém do seu sangue se mete em encrenca isso contamina os outros parentes.
Não é assim que pensam as pessoas?

Um tio teve na infância sério problema na perna. Ainda jovem
quebrou-a e nada foi feito pela fratura. Moravam numa fazenda distante e os
tempos eram bem outros.  Naqueles anos
1920 o mundo não dispunha dos recursos hoje possíveis - não escrevi “disponíveis”
de propósito.

O resultado foi que meu tio foi obrigado a arrastar a perna
vida afora. Pois aconteceu de minha tia - irmã dele – visitar uma amiga e ouvir
dela pergunta sobre o irmão “aleijadinho”. A visita não terminou bem porque
minha tia não admitia que o irmão fosse tratado daquele jeito. Explicou que o
irmão não nascera aleijado e o problema de sua perna resultara de acidente.
Depois foi embora, esbravejando.

A lembrança desse meu tio é sempre muito doce. Era um homem
pequeno e cordato. Lembro-me de seu temperamento afável e o modo gentil com que
sempre me acolhia. De poucas posses sempre dava um jeito de me arranjar uma
moeda para um doce. Viveu assim, na sua exitosa simplicidade. Infelizmente foi
colhido por um câncer que muito o fez sofrer até a morte. Nos últimos dias dava
pena vê-lo no leito, gemendo e acossado por terríveis sofrimentos. A certa
altura de nada adiantavam as doses de morfina que um farmacêutico vinha aplicar-lhe.

Meu tio morreu numa tarde quente como essas deste fevereiro.
Não me lembro em que mês ele se foi, mas bem que pode ter sido em fevereiro.
Não fui ao cemitério, era menino demais para acompanhar enterros. Mas ficou-me
a imagem dele, o homem sempre de terno e com a perna afrontada, caminhado
devagar, sempre com um sorriso nos lábios.

É, acho que só poderia mesmo ter sido em fevereiro.

Escrito por Ayrton Marcondes

6 fevereiro, 2014 às 4:09 pm

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Vida e morte de artistas

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Clark Gable morreu pouco depois da filmagem de “Os Desajustados” no qual contracenava com Marylin Monroe. Este também foi o último filme de Marylin que, como se sabe, foi encontrada morta em sua casa vitimada pela ingestão de comprimidos. Até hoje se discutem as razões da morte de Marylin que teria se suicidado, havendo quem diga que na verdade a atriz foi assassinada. Gable morreu de um infarto do miocárdio e não consta que tivesse problemas com drogas.

Nesta semana desapareceu o ator Philip Seymour Hoffman, encontrado morto em sua casa. Ainda tinha uma agulha presa ao braço quando dois amigos o encontraram. Envelopes com heroína espalhados no chão indicavam o limite extremo a que chegara o ator drogando-se.

O cantor Michael Jackson morreu em consequência de intoxicação por Propofol e uso tranquilizantes e medicamentos contra insônia. A cantora Amy Winehouse morreu devido a intoxicação por álcool. Meses antes a cantora havia estado n Brasil e apresentara-se sem condições de atuar em alguns de seus shows. Pessoas que assistiram a apresentação dela em São Paulo lamentavam e reclamavam da péssima condição da cantora totalmente incapacitada para cantar.

São passados quatro dias desde que a morte de Philip Seymour Hoffman foi anunciada e ainda agora é impossível esquecê-la. O que teria levado um ator de primeira grandeza a tal situação de desencanto com a vida, entregando-se freneticamente ao consumo de drogas?  Amigos do ator revelaram que ele sabia que iria morrer caso não parasse. Dias antes de sua morte ele mesmo dissera isso. Mas, ainda assim, não parou e o resultado foi a morte que tanto nos impressiona.

Receio que pessoas com grande sensibilidade artística possam correr maior risco de se perderem em alguma das travessias desta vida. Hoffman atingiu o ponto máximo a que pode chegar um ator em sua carreira. Aos 46 anos de idade já recebera o Oscar de melhor ator por sua fantástica atuação no papel de Truman Capote. Tinha ele, também, o dom especial de conferir magnitude a pequenos papéis. A cada filme nós o víamos diferente, de tal modo encarnado na pele de suas personagens que fazia-nos esquecer dele mesmo.

Philip Seymour Hoffman era um homem profissionalmente realizado daí se supor que pudesse ser feliz. Admirado pelos fãs dele se esperavam participações em novos filmes dado que a tela grande parece conferir eternidade aos que nelas atuam. Mas, como sempre a realidade se impôs à ficção e eis que Hoffman sai de cena quando menos se esperava.

A solidão faz parte da história de vida de muitos artistas. Contam-se casos de grandes cantores que se apresentam a multidões que dariam tudo para se aproximar deles. No final de seus shows acabam retornando para casa sozinhos, muitos deles consumindo-se no álcool ou nas drogas.

Philip Seymour Hoffman deixa um enorme vazio. Sua morte impressiona porque sugere que, talvez, nenhuma conquista possa realmente valer a pena. Deixa-nos o grande ator uma interrogação sobre algo que preferimos ignorar para que a vida tenha sentido.

O incêndio do Joelma

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Há exatamente 40 anos, no dia 1º de fevereiro de 1974, eu fazia plantão no Hospital Municipal em São Paulo. Era, na época, estudante do sexto ano de medicina e interno do hospital ao qual chegara através de concurso.

Naquela manhã de sexta-feira recebemos a notícia de que o Edifício Joelma estava em chamas, havendo a possibilidade de que pessoas fossem encaminhadas ao hospital para atendimento. Imediatamente prepararam-se as equipes, clínicas e cirúrgicas, além de especialistas em queimados. De um instante para outro ouviu-se o ininterrupto soar das sirenes de ambulâncias que iam e vinham sem parar.

Lembro-me bem de um homem vindo do Joelma o qual adentrou o PS já em situação crítica. Teria ele pouco mais de 30 anos, trajava u terno e respirava com extrema dificuldade. Em vão dois médicos lutaram para trazê-lo de volta. Tinha ele aspirado muita fumaça e de nada adiantou a máscara de oxigênio, nem mesmo a adrenalina com a qual se tentou ativar o coração. Impressionou-me ver aquele homem jovem e forte, de repente morto devido às circunstâncias inesperadas de um incêndio.

Não foram muitas as vítimas do incêndio trazidas naquele dia ao hospital, talvez pelas facilidades de acesso a outros hospitais mais próximos do Joelma. Soubemos depois que morreram no incêndio cerca de 190 pessoas, havendo 300 feridos. Um curto-circuito no sistema de ar condicionado de um dos andares dera início à grande tragédia.

Na entrada do PS postaram-se repórteres em busca de informações para os seus veículos de comunicação. A certa altura, quase noite, anunciou-se que em pouco visitaria o hospital o então ministro da Saúde. Eu estava na portaria quando o carro oficial estacionou. Vi, dentro do carro, um homem de aspecto cansado, muito abatido, certamente pela difícil jornada que percorrera naquele dia. Entretanto, quando a porta do carro se abriu e os repórteres se acercaram dela o ministro transformou-se: subitamente abriu um largo sorriso, pousando com aspecto confiante para os flashes que espocavam.

Ficou-me a face do ministro da qual nunca me esqueci. Naquela época pareceu-me estranha a transformação que se operara nela como em resposta imediata a um clique mágico. Mais tarde a vida me ensinaria os cliques necessários para atender a situações tão diversas e desgastantes.