2013 maio at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para maio, 2013

México-70

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Nada a ver com a inesquecível conquista pelo Brasil da Copa do Mundo realizada em 1970 no México. Trata-se da favela México-70 localizada na cidade litorânea de São Vicente. Por volta das 3h da madrugada houve início de um incêndio que destruiu mais de 100 barracos, deixando desalojadas mais de 200 famílias. Os que perderam seus barracos estão agora numa escola e a prefeitura promete ajuda de R$ 400,00 mensais para que possam alugar um imóvel.

No mundo das informações que chegam a cada instante certamente não se dá muita atenção a uma tragédia como essa. Recebemos a notícia de que houve um incêndio na favela, sem vítimas, e logo nos esquecemos disso. Pensa-se no assunto durante o tempo de leitura do jornal, sentimos a dose de pena que o fato nos provoca é isso e tudo. A vida segue em frente, cada um tem os seus problemas, salve-se quem puder.

Mas as coisas não se passam assim tão ligeiras quando a desgraça se aproxima da gente. Notícias que se transformam em pessoas de carne-e-osso afetadas por um incêndio deixam de ser apenas informações e tornam-se realidades palpáveis.

Acontece que um dos funcionários da limpeza do prédio onde moro é um dos que tiveram seu barraco destruído pelas chamas na Mexico-70. Ouvi-lo falar sobre o fogo e a situação em que se encontrava no momento com sua mulher e filho é muito mais que constrangedor. Contou-me ele que dormia quando foi acordado por pessoas gritando. Saindo à porta do barraco pode divisar o fogo que avançava na sua direção. Disse que a sensação de ver o fogo consumindo a moradia de tanta gente e vindo para o seu barraco é coisa simplesmente incrível. Ele mal teve tempo de acordar a mulher e o filho para, em seguida, correrem. Saíram a tempo de se safar do fogo que já atingia o barraco.

Perderam tudo. Exatamente tudo do quase nada que possuíam. Restaram as roupas do corpo e o desespero. Agora estão alojados na escola, esperando que a prefeitura os conduza a algum lugar onde possam morar.

A história do rapaz suscita divagações a começar pela desigualdade social e existência da pobreza. Admiro nele a aceitação da desgraça como componente natural da vida. A esperança de que no fim as coisas se ajeitarão demonstra invejável pertinácia.

Quando me despeço dele ouço que além do mais perdeu uma televisão - dessas de tela fininha - que comprou e ainda restam trinta prestações a pagar. Era ela, além do fogão, o bem mais valioso que tinham em família.

Passo o dia com essa história na cabeça, não consigo me desvencilhar da imagem do rapaz que perdeu tudo no incêndio da México-70. Rapaz trabalhador que sempre vejo a toda manhã e me cumprimenta com um sorriso de bom-dia.

Dia das mães

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Confesso que sou avesso a datas comemorativas. Dia das mães, Dia dos namorados, Dia dos pais, natal e todos os aniversários incluindo na lista o meu. Mas, não faço parte da turma que critica as datas comemorativas, culpando o comércio que carece delas para incrementar as vendas. São os tais picos de consumo tão esperados porque num dia como hoje fica muito chato não levar pelo menos uma lembrança para as mães. E elas esperam, ah como esperam.

Verdade que a lembrança ou presente em geral são recebidos pelas mães com significado de retribuição e afeto. Afinal, as mães nos puseram no mundo, deram-nos a vida e cuidaram para que nos tornássemos adultos. Zelo de mãe é zelo de mãe.

O dia das mães é também a ocasião daqueles almoços em família nos quais muitas vezes o sujeito é obrigado a se encontrar com alguém prefere não ver. Todo mundo tem algum parente inconveniente, desses que é preciso manter sob controle. O diabo acontece quando o(a) tal é daqueles(as) que bebem. Um gole aqui, outro ali, mais um, o penúltimo e o último que nunca é mesmo o último e o camarada resolve por para fora as mágoas, ressuscitando situações que só ele se lembra, mortificantes, coisas chatas, aquele acontecimento que ficou só na cabeça dele e sobre o qual ninguém quer falar ou ouvir.

Acontece muito entre irmãos que se amam, mas não se bicam.  Ou é o caso daquele chatíssimo cunhado com quem a gente se encontra justamente nas tais datas comemorativas. Tudo isso acontece em nome da alegria da mãe que faz o que pode para reunir a família e gozar momentos de felicidades junto de suas crias.

Não é assim com todo mundo? Existem, sim, generosas exceções. Mas, no fim das contas, o que importa mesmo é a alegria das mães neste dia que é só delas. Daí que saúdo todos os que têm mães vivas e podem estar com elas.

Não tenho lá ótimas lembranças pessoais da passagem do dia das mães em minha casa materna. Havia sempre um porém não importa de que natureza.  Mas eu daria tudo para que o tempo voltasse e eu pudesse mais uma única vez estar junto de minha mãe neste dia. Nem seria preciso o dia todo, só o tempo necessário para um abraço comovido.

Quanta saudade.

Prisioneiros

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Nunca estive preso e espero nunca venha a estar. Quem viveu no Brasil nos tais anos de chumbo da ditadura militar experimentou cerceamentos de liberdades individuais. O melhor era mesmo calar a boca e torcer para não ser enquadrado em alguma situação perigosa.

No início dos anos 70 aconteceu-me acompanhar parente a um pronto-socorro na região da Barra Funda, em São Paulo. A mulher estava desgostosa da vida e ingeriu um vidro de comprimidos tranquilizantes, talvez tentando se matar. Fizeram nela uma lavagem estomacal e lá pelas quatro da manhã pudemos trazê-la para casa. Entretanto, logo que saímos do PS o motorista atravessou dois sinais vermelhos dado que as ruas estavam completamente desertas naquela hora. Infelizmente uma viatura passava pelo mesmo lugar e imediatamente perseguiu o carro em que estávamos forçando-nos a quase bater na parede de uma casa. Segundos depois eu tinha uma metralhadora encostada na minha cara. Conseguimos nos safar porque estava conosco o pai da mulher, na época militar de alta patente. Assim se passavam as coisas em tempos de regime de exceção durante o qual as liberdades individuais não eram necessariamente respeitadas.

Outra coisa, porém, é a reclusão. Vez ou outra leio que alguém cometeu crime e, por razões de saúde, conseguiu a prisão domiciliar. Imagino o que seria ficar preso à própria residência, sem jamais colocar o pé na calçada defronte. Obviamente, muito pior é ser preso mesmo, condenado a viver numa penitenciária. Sinceramente, não consigo imaginar a extensão de uma situação assim, o desespero do afastamento total do mundo exterior aliado ao convívio com outros marginais. Pode ser bobagem, mas talvez a veiculação de um clipe mostrando à marginalia o que a espera caso venha a ser enclausurada talvez fizesse pelo menos alguns bandidos a pensar um pouco antes de praticar delitos.

Entretanto, creio que inimaginável mesmo seja a situação na qual viveram essas três jovens sequestradas por um maníaco que se definiu como predador sexual. Desafia à compreensão passar dez anos sequestradas, submetidas a toda sorte de abusos sexuais e violências. Uma das mulheres relata ter engravidado cinco vezes e abortado por passar fome e tomar socos na barriga. A polícia relata que as mulheres eram acorrentadas no porão e mantidas lá como cachorros.

O predador de Cleveland está preso e a promotoria quer condená-lo à pena de morte. Os vizinhos não conseguem aceitar como algo tão terrível tenha ocorrido durante tanto tempo ao lado de suas casas sem que jamais percebessem algo de anormal.

O sequestro de Cleveland ultrapassa o senso de humanidade que temos e revela, em toda a extensão, o lado animalesco a que podem chegar seres que na verdade nada têm de humanos.

Menores infratores

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A “Folha de São Paulo” publica em sua primeira página da edição de hoje uma charge do cartunista Angeli na qual diante da pergunta “O que fazer com os menores infratores?” Hitler responde: “Posso dar uma sugestão?”

Não há como não rir da tirada inteligente e pior: de nós mesmos. O fato é que o cidadão comum se vê diante de várias considerações teóricas, opiniões de cientistas sociais e muita gente capacitada, nem sempre concordantes. No fim das contas ao homem que circula nas ruas só a resposta a uma pergunta realmente interessa: afinal, quando tudo isso vai acabar?

Se reduzir a idade de maioridade penal não resolverá o problema, então o que deve ser feito? Eis que nos vemos diante de um daqueles problemas da matemática que desafiam gerações de estudiosos sem que ninguém ache a solução. Aí aparece o governador de São Paulo propondo que os três anos de internação na Fundação Casa sejam mudados para oito anos em caso de crimes graves praticados por menores. Outra sugestão é a de que a punição a menores seja realmente aplicada somente em caso de reincidência no crime: um se aceita, dois é demais.

Temos ainda a tal discussão da possibilidade de recuperação de menores que sairiam bonzinhos depois de bem socializados. E os casos de menores que praticam crimes gravíssimos e são tidos como irrecuperáveis.

Há também essa hipótese hitlerista de eliminar todo mundo que muita gente gostaria de ver em prática, mas não tem coragem de admitir, pelo menos publicamente. Obviamente, trata-se de um absurdo, mas não dá para discutir com quem perdeu bestamente entes queridos.

Quando uma situação foge de controle o que nos resta é rir para não chorar. O apocalipse tem sinais e basta prestar atenção para identificá-los. Para citar um nesse caso dos menores infratores veja-se o tal sujeito que assaltou um ônibus, no Rio, e estuprou uma mulher durante o assalto. A cara do bandido apareceu em todos os meios de comunicação porque no ônibus havia uma câmera que filmou a ação dele. Viu-se a cara do monstro e isso permitiu que ele fosse identificado e preso. Aí, surge a continuação da história: o rapaz estava escondido na casa da avó e é menor de idade, está com 16 anos. A partir daí as fotos da prisão do rapaz passaram a ser exibidas sem que se pudesse ver o rosto dele porque faces de menores não podem ser divulgadas. Eis aí um sinal de algo que não cabe no entendimento racional das pessoas, algo que atinge a zona limítrofe entre o que é e não é, o que pode e não pode e por aí vai.

Essa coisa toda faz lembrar o governo de Floriano Peixoto, segundo presidente do Brasil, quando em vias de reação contra a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, então capital da República. Como as autoridades não tinham consenso sobre o que fazer Floriano seguiu a sua própria cabeça, dizendo: continuem discutindo, enquanto isso vou agindo.

A música segundo Tom Jobim

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Impossível assistir ao documentário assinado por Nelson Pereira dos Santos sem se emocionar. “A música segundo Tom Jobim” nos permite uma emocionante viagem ao passado através de uma sequência de clipes diante dos quais não há como não se lembrar de nós mesmos, impulsionados pelas composições do maestro Jobim.

O sonho começa quando surgem as imagens do avião da Panair sobrevoando a cidade maravilhosa, trazendo-nos de volta o pulso da vida dos cariocas naquela época. O veículo que percorre as ruas, passa pelo túnel e chega a Copacabana onde milhares de pessoas se movimentam em torno dos prazeres oferecidos pela praia converte-se num mergulho em nosso próprio passado. Não seriam em banco-e-preto as imagens que guardamos na memória sobre o tempo desfeito do qual também participamos?

Mas, as lindas imagens do Rio funcionam apenas como a introdução a um mundo no qual paulatinamente se revela o talento e a genialidade de Tom Jobim. Através de uma sequência de apresentações de suas músicas, interpretadas por artistas renomados que nos deixaram tantas saudades, podemos acompanhar a trajetória do maestro brasileiro que levou ao mundo a grandeza de sua arte. Desde logo se torna preciso dizer que Tom Jobim foi muito grande, grandíssimo. Suas composições avançaram pelos quadrantes do mundo, sendo interpretadas em várias línguas e por grandes personalidades do mundo musical.

Tom Jobim viveu para a música e conferiu ao mundo horas de prazer que ainda hoje prosseguem e talvez jamais se esgotem dado que suas composições continuam a ser interpretadas. Mas, quanta emoção ao rever e ouvir vozes, algumas delas hoje esquecidas. Como resistir aos encantos das interpretações de Agostinho dos Santos, Alaíde Costa, Silvia Telles, Maysa, isso para citar alguns dos nossos? Meu Deus que é aquilo, que ponto mágico Nara Leão atingiu com sua memorável interpretação de “Dindi”?

Não há como conter lágrimas diante das emoções revividas nesta narrativa sem palavras, dirigida por Nelson Pereira dos Santos. Em “A música segundo Tom Jobim” o diretor subverte a técnica narrativa das biografias cinematográficas. Não existem diálogos, não nos importa se Tom Jobim nasceu e morreu, nem quantas vezes se casou e mesmo quantos filhos teve. Dentro de tal ritmo, que seria impessoal, surge diante do espectador a mais profunda narrativa personalizada, aquela que apresenta a face do artista diante da grandeza de sua obra. Técnica narrativa perfeita que leva à tela toda a grandeza de Tom Jobim, mostrado em várias fases de sua vida, mas sempre em apresentações, tocando, cantando, sendo Jobim.

Este é um documentário que não poderia nunca terminar embora seja da vida colocar em tudo um termo. Dele permanecem as majestosas interpretações de Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Henry Salvador, Errol Garner, Dizzy Gillespie, para citar apenas alguns nomes maiores do cenário internacional que se renderam à música de Tom Jobim.

Fica Tom Jobim, ao lado de Frank Sinatra em memoráveis apresentações. Fica o Tom junto de Vinícius de  Moraes, o grande poeta que tantas letras escreveu para as músicas do maestro. Fica, ainda, o fantástico Jobim ao lado da não menos fantástica Ellis Regina naquela esplendorosa de “Águas de Março” que o crítico Leonard Feather classificou entre as dez maiores gravações de jazz da história.

O Brasil não tem o hábito de homenagear seus filhos exponenciais. Tom Jobim foi um gênio reconhecido internacionalmente. Nelson Pereira dos Santos, Miúcha e a família de Tom Jobim em tempo prestam inesquecível homenagem ao grande maestro brasileiro.

Caso de amor

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Quando o sogro faleceu a sogra veio morar com eles. Dito assim parece que tudo foi simples, natural. Não foi não. A sogra era boa pessoa, mas chata como ela só. Quando a mulher convidou a mãe - isso ainda na volta do cemitério, após o enterro – ele estremeceu. O sogro morrera de repente e deixara a velha sozinha. Natural, pois, que fosse viver com a filha - e com ele. Dirigindo o carro muitos filmes se passaram pela cabeça dele. Já em casa sugeriu à mulher a contratação de uma funcionária que faria companhia à velha. Depois, a velha tinha os seus hábitos, gostava da casa dela, como iria se acostumar à vida no apartamento que, afinal, mal dava para o casal? Demais ele utilizava o outro quarto como escritório, tinha nele os seus papéis, o computador na mesinha. Até a ligação da internet mandara fazer para aquele quarto, como ficariam as coisas se a velha viesse morar com eles?

O assunto rendeu durante algum tempo até que a própria velha acabou cedendo à pressão da filha e se mudou para a casa deles. No fim ele mesmo acabou concordando: o argumento de que a velha senhora poderia passar mal e morrer sozinha bateu forte nele que sofria desse mal incontrolável que é o remorso por antecipação. Se a velha morresse, não se perdoaria, estava dado o passo definitivo de aceitação.

Acontece que a velha tinha um cachorro. Cachorro pequeno que ele imaginou que a velha doaria para não trazê-lo na mudança. Mas, a velha tinha um amor dando pelo cãozinho e sem ele nada feito, ficaria na casa dela. Com desprezar um bicho de estimação, companheiro de alguns anos, ela que já perdera o marido?

Veio o cão. Entretanto, desde o primeiro dia o cão deixou muito claro que não ia com a cara do dono da casa. Bicho esperto mantinha as aparências quando a velha estava por perto. Mas, quando estavam a sós, ele e o cão, o cão rosnava e mostrava os dentes. Animalzinho mal humorado, detestável. Bem que ele tentou dizer à mulher que tudo bem a mãe dela em casa, mas o cão, por que diabos teria que aturar o cão? E não deu outra porque a mulher logo foi dizendo que ele não tinha nenhuma sensibilidade, como afastar da mãe o animal pelo qual ela tinha tanta afeição, além do que o cãozinho nenhum trabalho dava a ele?

A situação ficou assim por alguns meses até que, certa ocasião, a velha saiu do prédio para ir à padaria e foi atropelada. Dois dias depois, não resistiu aos ferimentos e faleceu.

Ficou o cão. Ele odiava o bicho, mas bom coração que tinha, percebeu a tristeza do bicho que perdera a dona. De modo que com o passar dos dias o cão parou de rosnar para ele e até deixou de bancar o guarda na porta do quarto que voltou a ser o escritório de antes. As coisas foram de tal ordem que o cão acabou se afeiçoando a ele e ele ao cão.

Há histórias que têm fim improvável. Pois certo dia o cão adoeceu e veio a morrer. Daí que quando me encontrei com o gajo e ele me contou da morte do cão, imaginei que ele estaria finalmente aliviado, senão vingado. Pois não é que ele se mostrou muito consternado ao ouvir de mim tal observação, confessando que andava sentindo uma danada de saudade do bicho?

Escrito por Ayrton Marcondes

6 maio, 2013 às 8:41 pm

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Pobres cães

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Ultimamente tem-se falado sobre os aspectos animalescos do comportamento humano. Doses elevadas de violência e atitudes incompreensíveis acontecem com frequência assustadora, levando muitas pessoas a se perguntar se, afinal, os que praticam atos hediondos são mesmo seres humanos de forma integral. Ninguém aguenta mais falar sobre o assunto, nem ouvir considerações sobre ele. De repente, algo novo e absurdo acontece e, mais uma vez, a violência é trazida ao convívio das pessoas que de modo algum conseguem ignorá-la.

Não é o caso de recordar aqui os vários crimes que nos últimos dias petrificaram até mesmo os mais esperançosos quanto à infinita capacidade de perdão no mundo. A dentista queimada viva por um menor que pouco se deu ao fato de tê-la queimado e o advogado que trucidou a mulher japonesa por ciúmes não passam de mais dois acontecimentos que, infelizmente, serão esquecidos porque logo serão divulgadas novas atrocidades ainda por ocorrer. Tornou-se rotina a miséria da violência, isso não se pode negar.

Entretanto, a maldade humana parece não ter limites, estendendo-se até mesmo à pratica de crueldade contra animais. Hoje se publica que um cão foi salvo por uma senhora que o encontrou amarrado à linha de trem. Isso mesmo! Trata-se do quarto animal que serviu aos propósitos malignos de algumas bestas humanas cuja diversão é a de amarrar animais fortemente pelo pescoço, atando-os à linha de trens que, ao passarem, os esmagarão.

O governo de São Paulo divulga um programa de ação contra a violência e a criminalidade que, embora não se reconheça explicitamente, saíram de controle. Mas, há nessa história toda algo que não se consegue responder, algo que incomoda porque coloca em jogo a própria natureza humana. Afinal, o que está acontecendo com o ser humano que vai perdendo, progressivamente, contato com sua própria natureza, passando a agir como um predador sem princípios e remorsos? Em que ponto o acordo que permite o convívio social foi rasgado e se estabeleceu que a partir de agora cada pessoa deve cuidar de si mesma, protegendo-se de seus semelhantes que andam pelas ruas sem obediência a nenhum código de leis?

Pobres cães vitimados por maníacos que obtêm prazer condenando-os a mais terrível das mortes. Pobres seres humanos que pouco a pouco se afastam de sua condição humana, locupletando-se no exercício da barbárie.

Afinal, em que mundo nós estamos mesmo vivendo?

Protesto de torcedor

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Certamente não existe ramo de atividade no qual o profissional possa fugir tão facilmente de suas responsabilidades quanto o futebol. Jogadores podem atirar ao lixo as esperanças de milhares de torcedores, fazendo o  que lhes dá na telha em determinado momento. E isso sob as luzes e olhares de milhares de torcedores presentes aos jogos, afora a multidão de espectadores que assistem às partidas pela televisão.

O nome do pecado cometido por alguns jogadores é a soberba. Há, sim, os mais esquentados, aqueles que na febre do jogo perdem a cabeça e cometem deslizes que prejudicam as equipes em que jogam. Mas, também há o caso dos medalhões, os tais que se colocam acima da média e querem, a todo custo, fazer valer sua condição de celebridades dentro do esporte.

Quem assistiu ao jogo do São Paulo contra o Atlético realizado ontem teve a oportunidade de constatar os níveis a que chegam atitudes irresponsáveis que trazem prejuízo não só ao clube, mas, também, à imensa massa de torcedores que pagam ingressos caros e se deslocam de suas casas aos estádios para acompanhar os times de seus corações.

A atitude do jogador Lúcio, experiente zagueiro de cujo currículo consta longa trajetória em clubes europeus de renome e a defesa da seleção nacional do Brasil em copas do mundo, pertence à categoria dos atos injustificáveis. Profissional de tão alto nível jamais poderia se dar ao desfrute de cavar uma expulsão num momento em que o time em que joga atuava de modo brilhante, sufocando o adversário e levando à loucura a sua torcida. Vale lembrar que Lúcio é reincidente em expulsões.

No jogo de ontem o São Paulo pagou o preço pela falta de verdadeiro profissionalismo de alguns de seus mais destacados jogadores. Além do Lúcio expulso ressentiu-se a equipe da ausência de seu centroavante Luís Fabiano o qual cumpre a suspensão de quatro jogos por tirar satisfações com um juiz após um jogo ter terminado. Infelizmente, na partida contra o Atlético, o jovem substituto, Ademilson, perdeu uma sequencia de gols praticamente feitos os quais certamente teriam outro destino caso o titular estivesse em campo.

Não custa dizer que os profissionais em questão recebem salários altíssimos quando comparados aos percebidos por quase toda a população brasileira. Entretanto, coração de torcedor é mesmo coração de torcedor daí necessidade imperiosa de protestar contra atitudes, talvez impensadas, que tanta tristeza e revolta nos trazem.

O que se espera a partir de agora é que a diretoria do São Paulo FC tome as atitudes convenientes em relação aos seus pressionais, quem sabe desligando-os definitivamente de seu elenco de jogadores de futebol. É o que, sinceramente, se espera.

A excomunhão

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Nos idos anos 60 do século passado pertenci a uma congregação católica a mando de minha mãe. Sai de opa em procissões e participei de reuniões na igreja após a missa das 10 horas aos domingos. Os congregados tinham um chefe que cuidava da congregação e falava aos companheiros durante as reuniões. Às vezes o vigário da paróquia aparecia nas reuniões, sempre em rápidas passagens que outro motivo não tinham que o de manter os congregados ligados à igreja.

Não sei se por ordem do vigário ou exigência da própria igreja eram os congregados obrigados a obedecer a algumas regras. Eram frequentes, por exemplo, a participação dos congregados em retiros espirituais em geral organizados em épocas nas quais os convites ao pecado eram maiores. Esse era o caso do carnaval, festa pagã da qual de modo algum um congregado poderia participar. Aliás, os congregados sabiam muito bem que ir a um baile de carnaval representaria a expulsão da congregação.

No primeiro ano em que fiz parte da congregação fui convidado a participar de um retiro espiritual que ocorreria justamente durante o período de carnaval. Tinha eu na época pouco mais de 14 anos e andava muito interessado numa colega de escola da mesma idade que a minha. Por essa razão aleguei não poder participar do retiro embora soubesse que de modo algum poderia frequentar os bailes de carnaval. Foi assim que durante três noites de carnaval fui até o clube onde se deram os bailes, mas não entrei. Sabia que a coleguinha de quem gostava estava lá dentro, sambando, mas que fazer se estava impedido de participar?

Entretanto, na noite de terça-feira de carnaval aconteceu da minha colega sair à rua e me arrastar para dentro do salão de baile. Obviamente, não ofereci resistência de modo que minutos depois lá estava eu, pulando com ela, feliz da vida, esquecido de meu compromisso com a congregação.

Terminado o carnaval disseram-me que eu seria não só expulso da congregação como excomungado da igreja. Obviamente, tratava-se de um exagero, mas aos 14 anos de idade aconteceu-me acreditar e temer tão grande punição. No fim fui desligado da congregação, expulso para vergonha de minha mãe. Mas ficou-me na cabeça a grandiosidade do que representaria a excomunhão, pois, com ela, estariam fechadas para mim as portas da salvação. Pelo menos foi assim que entendi a situação naquela época.

Lembrei-me dessa história hoje ao ler que um padre de Bauru foi excomungado por professar ideias contrárias às preconizadas pela religião católica. Consta que o padre afirmou ser possível o amor entre pessoas do mesmo sexo fato que de modo algum a igreja católica admite dada a condenação da mesma igreja ao casamento entre gays. O padre foi instado a tornar atrás em suas declarações, mas negou-se dizendo que ainda bem que hoje em dia não mais existem as fogueiras para queimar os dissidentes.

O padre excomungado era benquisto pelos fiéis de sua paróquia. Celebrou uma missa de despedida à qual compareceram muitos fieis, lotando a igreja.

Mais cedo ou mais tarde a igreja terá que se definir em relação a certas modernidades as quais simplesmente não têm volta. Trata-se de um fio de navalha com muito corte, difícil de ser evitado num momento em que a igreja católica perde muitos fiéis para as suas concorrentes evangélicas.