2012 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2012

Conhecendo Alcântara

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Não há como estar em São Luís, capital do Maranhão, e não conhecer Alcântara. Todos os guias de turismo colocam a ida a Alcântara como obrigatória. Cidade que se conserva no passado, edificações antigas, ruinas, ruas calçadas com pedras, museus, grande beleza com vistas para o mar. Assim se descreve a cidade que dista 53 km de São Luís e à qual se chega através da travessia marítima em balsa de passageiros. A balsa sai de São Luís exatamente às 7 horas da manhã. Trata-se de veículo envelhecido e que percorre a distância mais ou menos lentamente, gastando cerca de hora e meia na travessia.

Talvez porque tanto se fale sobre a beleza de Alcântara a cidade decepcione um pouco ao visitante. Logo que se desce da balsa enfrenta-se uma longa ladeira com chão de pedra, cercada por casinhas pequenas e de aspecto mais ou menos igual. Durante a subida passa-se por ruínas de antigos casarões e, ao final, chega-se à Praça da Matriz que é de fato magnífica. No centro dela estão as ruínas da Igreja Matriz de São Matias defronte a qual se vê o pelourinho. A praça é cercada por casarões antigos. Num deles funciona a prefeitura, em dois outros museus.

A visita aos museus é interessante e aqui vale ressaltar o trabalho dos guias que percorrem as várias dependências dos prédios, explicando tudo o que neles se encontra. O Museu Histórico de Alcântara é um casarão que esteve fechado durante muito tempo, conservando-se em seu interior todos os pertences de seu antigo proprietário, homem de posses que, entre outros negócios, foi farmacêutico e alfaiate.  O interior da casa obedece à respiração de seus antigos habitantes, cujas fotos estão nas paredes como a vigiar a presença de intrusos a perturbar o eterno descanso de todos.

Ao visitante também está reservada a visita à Casa do Divino, sobrado colonial onde se exibem altares e instrumentos ligados à festa. Mais uma vez há que se elogiar o cuidado e atenção dos guias que pacientemente revelam aos visitantes os detalhes da grande festa de Alcântara.

Quem segue em frente após a visita à Casa do Divino chega à Igreja de Nossa Senhora das Mercês cuja construção data do período entre 1660 e 1690. O retábulo do altar-mor é de talha dourada, estilo barroco rococó. Há, também, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos na qual fica-se sabendo que no Brasil existem apenas três imagens de santos pretos: Santa Ifigênia, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida.

Há que se destacar a urbanidade e atenção do povo de Alcântara, pessoas hospitaleiras que fazem de tudo para que o visitante da cidade sinta-se bem e em casa. Para quem planeja conhecer Alcântara vale lembrar o grande calor que faz na cidade, daí a visita ser feita sob sol inclemente. Além disso, a travessia pela balsa em geral se faz em condições de mar muito mexido daí não ser tão simples para quem costuma facilmente ter os famosos “embrulhos” de estômago.

O pior pastel do mundo

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Desde menino sou fissurado em pastéis. Na cidade do interior em que morava a minha avó, um chinês abriu pastelaria e logo conquistou muita freguesia. Eu simplesmente adorava os pastéis do chinês. Qualquer dinheiro que caia no meu bolso tinha destino certo: comprar um pastel de carne no chinês.  Mas, essa bela história não teve final feliz porque, depois de algum tempo, verificou-se uma diminuição do número de gatos na região onde ficava a pastelaria. Certo dia fui à pastelaria e a encontrei fechada. Fechada não, lacrada. Só então descobri que andara comendo carne de gatos utilizada pelo dono na produção dos seus pastéis.

Mas, o pastel do chinês não era o pior do mundo. Que fiquem claras as condições necessárias para a escolha do pior: é preciso alguém estar com muita fome, gana por um pastel e encontrar um deles que não seja possível comer.

Aconteceu comigo dias atrás experiência terrível. Não sei se você alguma vez fez o trajeto entre São Luís do Maranhão e a cidade de Barreirinhas. Isso mesmo, a Barreirinhas onde ficam os famosos, os maravilhosos, Lençóis Maranhenses. Para quem não sabe o percurso entre as duas cidades é de cerca de 300 km e a viagem se faz por ônibus ou vãs - há também a possibilidade da via aérea em aviões monomotores.

Peguei o ônibus às seis horas da manhã na Estação Rodoviária de São Luís. O que não esperava era a morosidade do ônibus que gastou quatro horas e meia para fazer o percurso. Não é o caso de demorar-me aqui sobre a triste paisagem que pude ver através da janelinha do veículo. A pobreza no interior do Maranhão é agressiva, terrível, dessas que nos acossam a ter remorso até pelo pouco que carregamos no  bolso. São brasileiros, famílias inteiras, vivendo em condições para lá de precárias. Situação triste que revela o outro lado de um país no qual impera a desigualdade e o descaso de governos que, ainda assim, se rejubilam pelos seus “memoráveis” feitos.

Bem, a meia viagem o ônibus parou num lugar para que os passageiros pudessem comer alguma coisa, usar banheiro etc. Foi quando se formou fila com pessoas pedindo o único salgado disponível no lugar: o pastel. Ora, justamente o pastel. Vi que as pessoas pediam, pagavam e saiam comendo seus pastéis - fazendo boa cara, diga-se. Diante disso me animei: estava com fome e adoro pastéis. O problema se deu na primeira mordida: o pastel era intolerável, intragável, “in” o que quer que seja como prefixo de palavra que designe qualquer coisa muito ruim. De fato aquele pastel era de uma ruindade ultrajante a começar pela massa grosa, espessa, mole, desfazendo-se. Frio, muito frio. Não me atrevo a falar alguma coisa sobre o conteúdo escondido sob a malfadada massa.

Confesso que não consegui engolir aquilo. Fora do bar cuspi o que tinha na boca e dei um jeito de me livrar do restante do pastel. Não houve como não maldizer a hora em que me deixei levar pelo impulso de comprar o pastel. Fiz o resto da viagem com o estômago embrulhado. Agora, passados alguns dias, fico pensando na genialidade gastronômica da(o) chefe de cozinha do bar. Genialidade às avessas que logrou produzir, talvez, senão o pior pastel do mundo, forte candidato ao título.

Se você algum dia for de ônibus a Barreirinhas, cidade ótima, aconselho não se arriscar ao pastel que está a venda no caminho.

Ricardo Gomes e a paixão pelo futebol

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O ex-jogador de futebol Ricardo Gomes tornou-se técnico e dono de carreira bem sucedida. O penúltimo time que treinou foi o São Paulo do qual saiu após derrota em jogo da Taça Libertadores. O último foi o Vasco no qual ia muito bem. Mas, aconteceu a Gomes sério problema de saúde justamente quando comandava a equipe vascaína em jogo importante. Ele sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e saiu do estádio em maca e inconsciente.

As imagens do AVC sofrido por Ricardo Gomes foram vistas pela televisão. Temeu-se que o técnico vascaíno não conseguisse se safar do mal que o atingira. Felizmente ele recobrou a consciência e venceu as etapas de fisioterapia que se seguiram até ser dado como apto para voltar a trabalhar.

Nesta semana ouvi um programa esportivo, na Rádio Bandeirantes, no qual radialistas discutiam se Ricardo Gomes deveria ou não voltar a ser técnico. Alguns deles disseram que se os médicos achassem indicada a volta nada impediria a Ricardo de tornar a fazer não só o que sabe, mas do que gosta.  Um deles falou sobre parente que também teve AVC, recuperou-se, mas os médicos recomendaram a ele evitar situações de estresse.

Eis aí o dilema que envolve Ricardo Gomes. Dirigir um time grande em jogos profissionais representa situações permanentes de estresse. Deve alguém que já foi vitimado por um AVC expor-se a isso?

Disso tudo se deduz que talvez seja melhor a Ricardo Gomes continuar no futebol, mas em outra função. Entretanto, futebol é paixão. E hoje se noticia que Ricardo Gomes já se decidiu: voltará a ser técnico, já está em negociação com o Vasco.

Resta-nos torcer para que ele esteja certo. Mas, para quem o viu saindo do estádio em ambulância e inconsciente fica a dúvida: estará ele agindo certo?

Eleições americanas

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O assunto sobre o qual se fala é o resultado das eleições nos EUA. Barack Obama foi reeleito presidente da República. Vitoria por margem apertada que o obrigará a negociar com os republicanos para governar.

Obama é um cara interessante. Bateu o oponente Romney nas urnas e apareceu com a mulher e as filhas, todos muito felize, comemorando a vitória. Acho que dizer “felizes” é até pouco. Estavam pra lá de radiantes, afinal não é todo dia que se consegue emprego de presidente da maior potência mundial.

Tenho a impressão de que entre nós a torcida pendia para o lado de Obama. Talvez por acomodação. Torci para ele porque foi presidente por quatro anos e não botou fogo no mundo. Romney tem uma cara desconfortável. É mórmon e de vez em quando fala coisas sobre as quais seria mais esperto calar-se. Perdeu votos entre os hispânicos - votos decisivos - quando sugeriu que os ilegais deveriam autoexilar-se.   Conheci um candidato brasileiro que tinha eleição ganha até a véspera da votação: perdeu porque cai na besteira de dizer que mandaria para fora da cidade os ambulantes etc. Eleitores não são surdos e, no geral, são avessos a falas extremadas.

Verdade que o que está escrito acima não passa de opinião de terceira-mão. Não tenho informações diretas dos EUA, não vivo lá e acabo sendo sensível ao que a mídia daqui propaga. Só fiquei meio desconfiado do Obama quando um americano me disse: o Obama é o Lula de lá.

Bem, ser o Lula é sempre preocupante. Lula vive na berlinda. Agora estão tentando agarrá-lo pela suposta participação no mensalão. Dizem que não é possível um presidente não saber o que se passa na sala ao lado da sua em palácio. Mas, Lula é liso, sairá dessa facilmente e olhe que quando ele fala é difícil não acreditar nele. Lula nasceu para a política, tem bossa pra isso. Com ele é ame-o ou deixe-o. E o povo o ama.

No passado se dizia: o que é bom para os EUA também é bom para o Brasil. Exageros a parte, no fim das contas a eleição presidencial norte-americana nos interessa justamente por isso. Do presidente eleito dependem políticas para a América do Sul onde pontifica o Brasil. Então o Obama fica diretamente ligado ao nosso bem-estar e, talvez por isso, muitos de nós tivessem medo de uma mudança que sabe-se lá no que iria dar.

Obama reeleito resta-nos torcer para que os EUA resolvam os problemas internos. Para isso o mundo político deverá ficar acima de suas divergências, priorizando o país. Há quem diga que os EUA deixarão de ser a maior potência mundial porque estão perdendo muito espaço no mundo. Pode até ser. Nunca é demais recordar que impérios não são eternos.  Os romanos do passado que o digam.

Os perigos do álcool

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Não sei se você já teve contato próximo com pessoa alcoólatra. Privei do convívio de alguns, a maioria deles nunca admitindo sua condição em relação ao alcoolismo. Obviamente o hábito de ingerir bebidas alcoólicas gerou problemas não só a eles como a seus familiares. Creio que todo mundo sabe de histórias ligadas aso alcoolismo, algumas delas com finais trágicos.

Fui muito amigo de um camarada, bem mais velho que eu na época, hoje já falecido. Bebia para valer. O negócio dele era cerveja. Ao meio-dia já tinha mandado goela abaixo umas  três garrafas. No período da tarde a coisa engrenava e só terminava tarde da noite após muitas cervejas.

Ele era um ótimo sujeito que jamais se teve por alcoólatra. Tinha um bom negócio que dava bem para o sustento da família. Entretanto, a bebida fez com que ele deixasse o negócio em segundo plano e as coisas se complicaram. Ladeira abaixo é difícil recuperar a vida. Aconteceu a esse meu amigo ganhar dinheiro grande na loteria. Foi receber o dinheiro em São Paulo, saiu com muita grana no bolso e… bebeu. Terminou numa boate, assaltado e sem nenhum dinheiro para contar a história. Isso sem contar que os espertalhões que o roubaram bateram muito nele.

Nem assim deixou de lado o vício. Tinha pouco mais de 60 anos de idade quando os filhos deram-lhe um xeque-mate: parava de beber ou parava de beber. Milagrosamente parou. Eu o vi depois disso. Perdera a alegria de viver. Para ele o mundo sem cerveja não era mundo. Mas seguiu sem álcool até o fim da vida.

O assunto do momento é o jogador Adriano. Até pouco tempo atrás se omitia, mas agora se fala abertamente sobre o alcoolismo dele: Adriano está doente e não se da conta disso; Adriano precisa de tratamento; Adriano deve ser internado a força… Ouvi essas opiniões e outras no rádio. Nos jornais fala-se sobreo ex-jogador, etc.

Adriano tem 30 anos de idade e está sendo dado como acabado para o futebol. Nenhum time se arriscaria a contratá-lo porque não depende mais dele cumprir o contrato tal a imposição do vício à sua vontade. Perde o futebol. Não há como evitar a tristeza de assistir ao que se passa com aquele que já foi chamado de imperador. Fica a imagem do emocionante fim de jogo contra a Argentina no qual Adriano brilhou intensamente. Que raça! Que oportunismo! Que categoria! Quem sabe a mesma raça ainda prevaleça e Adriano volte a ser o artilheiro que admiramos tanto.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 novembro, 2012 às 2:25 pm

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Skidmore e o Alzheimer

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Doença é sempre problema, ainda mais quando se sabe que para algumas delas não existe cura. Pessoas idosas temem ser surpreendidas por sintomas que indiquem a presença de doenças graves. O câncer, por exemplo, é sempre uma pulga atrás da orelha. Você até sabe que entre os seus ancestrais um ou outro teve a doença daí que a genética não favoreça tanto que você venha a tê-la. Mas, como confiar no corpo que envelhece, nas células que de repente podem começar a se dividir anormalmente, rapidamente, formando um tumor?

De todos os males possíveis os que mais me impressionam são os ligados ao funcionamento do sistema nervoso. Cérebro é coisa que se quer funcionando bem até o fim da vida para que não se perca a capacidade de raciocínio, de escolhas, de discernimento. Daí que fiquei muito impressionado com a entrevista concedida pelo brasilianista norte-americano Thomas Skidmore. Ele tem agora 80 anos de idade e vive num asilo, morando num quarto para dois pacientes. A doença de Skidmore é o mal de Alzheimer, processo degenerativo que evolui para demência. Skidmore está na fase inicial na qual apenas as memórias recentes são perdidas e as mais antigas preservadas. A expectativa para os doentes de Alzheimer é a evolução para estados de confusão mental, falhas na linguagem, agressividade e finalmente o alheamento da realidade.

Skidmore é muito conhecido entre nós. Publicou livros sobre o Brasil como “De Getúlio a Castelo” e “De Castelo a Tancredo”. É um brasilianista, palavra usada para caracterizar estrangeiros que escrevem sobre o Brasil. Na época do regime militar tínhamos bronca dos brasilianistas, acusados que eram eles de ter livre acesso a documentos vedados a pesquisadores brasileiros. Daí que o termo “brasilianista” adquiriu sentido pejorativo que talvez ainda perdure entre alguns intelectuais. No passado presenciei em conversas verdadeiro desprezo pelo trabalho dos brasilianistas ainda mais pelo fato de terem a oportunidade de se instalar no Brasil e serem financiados.

A situação atual em que se encontra Thomas Skidmore incomoda. As fotografias mostram um homem idoso ao lado dos livros que foram e continuam a ser o objeto de sua vida. Olhando para ele não há como não pensar na crueldade com que o destino decidiu tratar esse intelectual de cujo cérebro, progressivamente, serão suprimidas todas as informações até o alheamento final.

Velhos camaradas

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Depois de certa idade rareiam-se os encontros com velhos amigos. Não sei se por conta de tendência a isolamento ou porque vai crescendo a preguiça em frequentar barzinhos, ir a shows etc. Segunda-feira passada Keith Jarret tocou na sala São Paulo e não me animei a assistir à apresentação do grande pianista de jazz. Olhe que se tratava de momento raro porque Jarret é de fato uma raridade. Ainda agora tenho na memória os acordes do famoso The Köln Concert gravado no Opera House na cidade de Colonia, Alemanha. Ouvi muito e de vez em quando ainda ouço o CD que substituiu o LP de Jarret cuja música convida a uma viagem ao imaginário com direito a variantes sempre novas.

Mas, aos amigos, pessoas que ficamos sem ver durante anos e de repente topamos com elas, inesperadamente. Dias atrás me encontrei com um antigo colega de faculdade, amigo no passado. Não sei dizer a quanto tempo não nos víamos e fiquei muito feliz ao encontrá-lo bem disposto, bem de vida, aparentemente bem em tudo. Entretanto, confesso que após alguns minutos não encontrávamos assunto em comum para falar. O longo tempo em que estivemos distantes funcionava como cadeia de montanhas a separar-nos em latitudes diferentes. Já não tínhamos nada em comum exceto a recordação dos tempos perdidos na memória. Trocamos informações sobre velhos colegas, através do meu amigo soube de dois outros que faleceram e do triste fim de uma nossa colega desaparecida em acidente.

Pois foi nesse ponto que a nossa conversa tomou rumo diferente. Contou-me o amigo que na verdade a colega desparecida em acidente fora sua mulher. Casara-se com ela anos depois de terminada a faculdade. Encontrara-a numa recepção, aproximaram-se e deu no que deu. Confessou-me ele amá-la muito e ainda agora não ter-se consolado. Tiveram dois filhos e uma vida feliz.

Despedimo-nos com abraço forte, prometendo-nos novo encontro que sabíamos não virá a acontecer exceto por puro acaso. Depois que ele se foi lembrei-me da moça que mais tarde se tornou a mulher dele. Fora ela em sua juventude moça muito bonita e algo sonhadora. Conversava com ela que, entre outras qualidades, gostava de poesia. Era fã incondicional da poesia francesa e recitava sem ler versos de Verlaine e Baudelaire. Destacava-se no aprendizado profissional, inteligente que era. Confesso que naquele tempo jamais eu poderia supor que um dia ela viesse a se casar com o amigo que encontrei agora. Era ele um tipo reservado, mais para autossuficiente, determinado, cuja personalidade não se ligaria à de uma sonhadora e amante de poesia.

A vida é surpreendente, não? Não é que os dois casaram-se e foram felizes? Pois é esse lado inesperado, a capacidade de juntar extremos que aparentemente nada tem em comum que faz da vida um mistério fascinante.

Segundo seus biógrafos as últimas palavras de Machado de Assis foram: “A vida é boa”.

Pois é, a vida é boa.

Escrito por Ayrton Marcondes

5 novembro, 2012 às 11:02 am

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Finados

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Ontem foi o dia de Finados. Perguntava-se, na véspera do feriado, se choveria. Alguém disse: Finados é dia de chuva. Choveu.
Há um poema de Arturo Torres Rioseco, traduzido por Manuel Bandeira, cujo título é “Elegia de uma Rua”. Nele o poeta fala sobre o retorno a uma rua pela qual passou o enterro de pessoa amada. São passados vinte anos desde o dia do enterro e as pessoas que a levaram também já se perderam no fim da estrada. No fim diz o poeta:
Foi por aqui que a levaram,
Por esta rua passaram.
Levamos os mortos e seremos levados. Finados celebra a morte, o fim do sonho e de toda a ilusão. Celebra as memórias de pessoas a quem tantas vezes nos esquecemos, mas permanecem vivos como se em viagem distante da qual não retornarão.
No lugarejo onde nasci acreditava-se que a chuva fizesse bem aos mortos. Chover em dia de enterro seria dádiva para aquele que morreu. Foi assim com a moça que tomou veneno em nome da paixão não correspondida; com o homem que bebeu e foi arrastado pelo cavalo porque o pé ficara preso ao estribo; com o padre de quem se dizia amasiado com uma filha-de-Maria; com o menino pequeno levado pela enchente do riozinho. Só não choveu no enterro do homem que surpreendeu o tio na curva da estrada e matou-o com um tiro por vingança. Por ele as nuvens não choraram.
Naquele tempo os cadáveres eram velados em casa. O morto era banhado e vestido pelos parentes próximos que, depois, o colocavam no caixão. Terminados os cuidados o morto era posto à visitação, dentro do caixão, na sala. As pessoas iam e vinham, lágrimas nos olhos, uns por amor, outros por obrigação, outros ainda por simples curiosidade. E o morto, indiferente, mãos sobre o peito, adornado por flores e o crucifixo talvez útil a ele na viagem para o céu.
Em menino vi muitos mortos. Ainda agora revejo meu irmão que se afogou em seu banho de cadáver na casa de minha avó. Lembro-me do rosto pálido, os braços inertes que se deixavam ir para qualquer lado quando viravam o corpo. Esperando do lado de fora meu pai andava de um lado a outro, perdido. Minha mãe, terço na mão, talvez rezasse pelo do acontecimento incompreensível.
Meu irmão foi levado na mesma rua por onde mais tarde passaram os caixões de meus pais. Eles se perderam no fim da estrada. Finados me faz pensar que num dia, não muito distante, também eu me perderei.

Sinais estranhos

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Há quem acredite em acontecimentos menores que prenunciam desastres maiores. Você pode não dar valor a fatos tomados como simples coincidências. Um sujeito chega ao aeroporto e perde o voo de um avião que cai minutos depois e sai ileso de acidente de carro no qual pessoas morrem. Obra do acaso? Sorte? Muita gente acredita que não. Para esses o sujeito já gastou a sua cota de benefícios nesse mundo e o que tem a fazer a partir de agora é cercar-se de cuidados porque o pior ronda a sua vida e desgraças podem acontecer.

Será? Pois ouvi na sala de espera de um consultório médico conversa entre duas mulheres que deu o que pensar. Falavam elas sobre a crescente onda de homicídios e outros crimes em São Paulo, a execução de policiais atacados pela bandidagem, a insegurança geral, o mensalão, enfim a estonteante marcha de acontecimentos negativos que estão a indicar crise maior se aproximando. Lembrava uma delas a perda de controle das autoridades sobre o crime, os desmandos e a tendência generalizada para o salve-se quem puder. Com o que concordou a outra, dizendo que já não existe solidariedade, agora é cada um por si, o jeito é trancar-se bem em casa e rezar para que nada de horrível aconteça.

Ia assim a conversa quando uma das mulheres, aparentemente mais velha, falou sobre o furacão Sandy que acaba de devastar New Jersey e causou estragos enormes em New York. Segundo ela as reações da natureza nos últimos tempos não passam de sinais para advertir o homem sobre a sua pequenez e impossibilidade de impedir a ocorrência de eventos provocados por forças incontroláveis. Não há poder ou riqueza que possam se opor a tragédias como a acontecida dias trás nos EUA. Daí que só resta ao grande país do norte consertar estragos cujo custo estima-se superior a 50 bilhões de dólares.

Foi nesse momento que a outra mulher acrescentou que, na verdade, o significado da passagem do Sandy é ainda maior: trata-se de um prenúncio do grande cataclismo esperado para o mês de dezembro, qual seja o fim do mundo previsto no calendário maia. Perguntou ela se a outra não reparara em certa regularidade de grandes acontecimentos como terremotos, atividades vulcânicas, deslocamento de placas tectônicas, tsunamis, acidentes nucleares e outras tragédias que têm se somado nos últimos tempos. Para a mulher outra explicação para tantas desgraças só pode ser a proximidade do fim dos tempos, fato que está para acontecer em breve.

Não acredito em sinais. Minha mãe sabia com alguma antecedência e através do que identificava como avisos se algum conhecido morreria. Lembro-me de que certa ocasião uma lâmpada, que não estava acesa, piscou algumas vezes durante o dia e minha mãe disse que com certeza alguém próximo teria morrido. Não muito tempo depois, no mesmo dia, fomos avisados sobre o falecimento de um parente. Sinal? Aviso? Coincidência?

De todo modo o melhor é que passe logo o dia 21 de dezembro, data prevista para o fim do mundo. Sei que você não está preocupado com isso, não? Claro, isso tudo é bobagem.  Mas, e se ….?

Chefe de seção

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Rapaz magro, braços de lutador de UFC. Cabeça pequena, cabelo rente penteado na direção do topete levantado. Irritadiço, brigando com a impressora que não funciona. Tapa aqui, empurrão ali, ajuste dos fios, paciência acabada ele liga para o cara do período da manhã e pergunta quem fez aquilo, quem largou a desgraça na mão dele, agora que tem que imprimir e tem gente esperando.

Fora da sala, braços sobre o balcão, gente esperando. Finalmente ele troca a Samsung por uma matricial, consegue imprimir e logo sai da sala um sujeito de maus bofes, levando a papaleda. Chega a nossa vez.

Ele está bravo, mas é educado com a gente. Desculpa-se culpando o serviço, o descaso do funcionário da manhã com o equipamento. Explica que entra às duas da tarde e fica até a noite no serviço. Enquanto prepara o nosso papel fala sobre a sua vida. Está ali há dez anos, começou após ser aprovado em concurso: ficou entre os dez primeiros, concorrendo com mais de oito mil. Prova de que não é burro, tem talento - acrescenta. E não pretende ficar ali a vida toda, ainda mais para receber a merreca que ganha por mês. Não gosta de ver o balcão lotado, com gente esperando, mas que fazer se tudo é com ele, se tem que resolver e, pior, as coisas não funcionam?

Fala a si mesmo, não quer nossas opiniões. Repete que está ali, mas dez anos foram demais. Olhe que um tio ficou sem falar com ele três meses quando soube que tinha passado no concurso. O tio sentenciara: aquilo não era vida, não era bom, ainda mais para alguém inteligente como ele. O maldito velho tinha razão.

Impressos os papéis o rapaz expõe sua filosofia. Diz que a vida dá muitos avisos os quais ignoramos. É preciso cuidado em relação às mensagens que recebemos da vida porque podem significar que algo pior está para acontecer. Disso ele sabe muito bem porque recebe gente de todo tipo, acompanha o que acontece com as pessoas nesse vai-e-vem do dia-a-dia.

Despede-se com elegância. Abre a porta e ainda uma vez recomenda que leiamos os papéis com cuidado para entender o aviso que está escrito neles.

Na rua, dirigindo o carro, penso no chefe de seção e suas certezas. Sairá ele algum dia de lá?

Escrito por Ayrton Marcondes

1 novembro, 2012 às 12:07 pm

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