2011 agosto at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para agosto, 2011

A boca do povo

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Pessoas do Ministério do Turismo foram presas, algemadas e fotografadas sem camisa. Autoridades, entre as quais está a presidente da República, consideraram inaceitável o uso de algemas e a divulgação das fotos. Questiona-se o modo de agir da Polícia Federal nesses casos.

O assunto vem à baila durante um programa de rádio. Ouvintes e os próprios radialistas reagem à indignação das autoridades. Para essas pessoas criminosos são criminosos, não importando a natureza do delito. Se gente da periferia é algemada, por que não essa turma que lesa os cofres públicos e participa de negociatas? - perguntam os ouvintes.

O terno e gravata faz a diferença? Radialistas dizem que crime é crime, independentemente do colarinho. Contrapõe-se que os presos do Turismo não ofereceram resistência e nem representavam qualquer perigo no momento em que foram presos. Direitos humanos entram na história e também se diz que ninguém deve ter mais direitos que outros.

Parece banal, mas não é. Por trás dessa discussão está a desigualdade social. De um lado figura uma espécie de casta que defende a aplicação da lei, mas respeitando-se os direitos de cada um. De outro os que protestam contra o tratamento diferenciado dado às camadas mais elitizadas como se essas tivessem mais direitos. Afirma-se que as mesmas autoridades não dão mostras de indignação quando o desrespeito é contra gente menos favorecida.

Assunto delicado. Fica que existem erros em ambos os casos, mas a diferença está no posicionamento das autoridades. Em todo caso, não deixa de ser interessante ouvir o que as pessoas dizem. A boca do povo não raramente profere sentenças definitivas. Não será perda de tempo se as autoridades decidirem ouvi-la.

A escalada do ódio

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Uma amiga me diz que as pessoas confundem sentimentos, amor e ódio se misturam. Para ela a falta de parâmetros está por trás de muitos comportamentos agressivos. Numa sociedade de regras frouxas o bem e o mal nem sempre são bem delimitados. Decorre daí a ausência de limites e respeito, mais que isso o convite a transgressões.

O ódio é sentimento que brota de muitas raízes, por vezes despertado por razões inconscientes. Existem seres com os quais a energia pessoal não bate e isso por si só gera atritos, senão ódio explícito. Também há pessoas que incomodam a outrem apenas por existir. E que dizer do batalhão de invejosos, mal resolvidos, fracassados, enfim de situações humanas que levam pessoas a descontar em outros as suas insatisfações pessoais?

Seria possível passar um dia inteiro tentando identificar as inúmeras razões que levam alguém a odiar o seu semelhante, começando pelas conhecidas paixões que, da noite para o dia, podem se transformam em ódios ferozes – dizem que nisso as mulheres são mais especializadas que os homens coisa muito, muitíssimo, discutível.

A intenção dessas mal traçadas não é a de listar situações que envolvam ódio entre pessoas. O que se busca é refletir um pouco sobre esse tal ódio que se esconde atrás do anonimato, ódio gratuito e disparado contra o que quer que seja. Esse tipo de ódio tem sido muito comentado ultimamente, sendo a internet veículo poderoso para que agressores potenciais descarreguem publicamente suas revoltas.

Odeia-se mais hoje que no passado? Impossível responder. O certo é que radicais, revoltados e desgostosos de todo tipo dispõem, atualmente, de meios eficazes para externar ódios. As ferramentas da internet como comunidades sociais e outras fazem a delícia dos que se comprazem em agredir anonimamente. De nada adiantam advertências sobre a possibilidade de identificação dos agressores, caso em que correm o risco de serem responsabilizados legalmente por ofensas. O manto de impunidade que cobre grande parte dos delitos praticados no país parece ser suficientemente grande para acobertar agressores.

Esse assunto tem sido notícia desde que o compositor Chico Buarque declarou-se perplexo ao constatar, através de comentários publicados na internet, o ódio dedicado a ele. Chico declarou:

Eu achava que era amado, porque as pessoas iam ao show, me aplaudiam, e, na rua, me cumprimentavam. Descobri, na internet, que sou odiado. As pessoas falam o que lhes vem à cabeça. Agora entendi as regras do jogo.

Trata-se de um caso no qual uma personalidade pública recebe agressões de desconhecidos. Além disso, não consta que Chico Buarque tenha lesado ou ofendido as pessoas que o odeiam. Ódio gratuito, portanto, ódio que se esconde atrás do anonimato. Ódio que tem os mesmos ingredientes de declarações homofóbicas e racistas que pululam nas seções de comentários a textos publicados na internet.

O mundo atual, violento e desigual, é caldo cultura para a proliferação de iconoclastas - quase sempre rebeldes sem causa. Que ninguém se engane, o ódio está em toda parte. Mesmo deixando-se de lado o ódio latente que viceja contra a sociedade e anima indivíduos à prática do crime, ainda assim sobra ódio demais no mundo. Dele deriva esse espírito de agressão que permeia hoje em dia as relações humanas, subtraindo-se do convívio a fraternidade e a urbanidade.

Nos dias atuais o respeito pelo semelhante está em crise. Confunde-se hierarquia com opressão. O sucesso incomoda e erige alvos a serem atacados. Inteligência e beleza são predicados que podem ser vistos como negativos.

Escreve-se muito sobre os lados bom e mau da internet. Há quem diga que existe gente demais no mundo daí os Estados terem perdido o controle sobre os rumos da sociedade. Campanhas que visam resgatar a urbanidade entre seres humanos – no trânsito, por exemplo – nem sempre apresentam resultados satisfatórios. Ninguém é capaz de prever o futuro. Enquanto isso ficamos com imagens de violência, muito ódio e desrespeito á vida e aos semelhantes.  

A elite cubana

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Se há uma provocação que irrita profundamente pessoas comprometidas com algum tipo de ideologia é aquela do tipo “comunistas não resistem a um bom champanhe francês”. Afirmações dessa ordem, aparentemente banais e inconsequentes, na verdade visam deslustrar convicções e expor falsidades ideológicas.

É fato inegável que partidários de sistemas políticos que pregam igualdade entre seres humanos são generosos em tornar “mais iguais” os membros de cúpulas que chegam ao poder e seus apaniguados. A história é prodiga em casos assim, sendo a Revolução Russa um dos mais chocantes exemplos de como insurgentes se tornam ditadores, chefiando elites restritas que abarcam e dominam com mão férrea todos os setores da administração. Decorrem desse fato o cerceamento de liberdades, perseguições, repressões e mesmo o providencial desaparecimento de críticos do regime, tudo isso em nome de um processo que se divulga visar o bem-estar comum. Trata-se do Estado forte, intervencionista, contrário ao liberalismo. Nesses casos, como em outros, não por acaso pessoas vindas de camadas socialmente inferiorizadas ou excluídas habituam-se rapidamente às mordomias proporcionadas pelo poder. Hábitos como o de consumo de bebidas selecionadas e caras, de charutos feitos das melhores cepas de fumo, viagens constantes em aviões de luxo e outras benesses passam a fazer parte do cotidiano de pessoas antes muito simples a quem a capacidade ou a sorte distinguiu com rara oportunidade. Estabelece-se fina sintonia entre o poder e seus ocupantes, isso para se dizer o mínimo.

O que se quer dizer é que não importando a linha ideológica ou política adotada existe o risco de uma camada dominante gozar melhormente das prerrogativas e possibilidades. Por outro lado é indiscutível que situações dessa natureza chamem mais a atenção em países onde vigoram regimes fechados e onde o capitalismo é visto como um grande mal. O fato é que se espera que nesses países o sacrifício imposto pelos governos à população seja igualmente dividido entre todos sem a concessão de privilégios.

Talvez por isso soe estranha a notícia divulgada pelo The New York Times dando-nos notícia da existência de uma elite que vive muito bem em Cuba. Isso acontece apesar de ser claro que um regime comunista no qual não existem classes não tolera elites sociais e privilégios. De modo que, lembra-nos o Times, as imagens de um povo que utiliza carros velhos e usa roupas desbotadas não corresponde inteiramente à realidade. Nesse sentido o Times nos avisa que existe outra Cuba, a Havana na qual vivem artistas, escritores, modelos, cineastas, enfim membros de “classe social criativa”. Essa turma tem acesso ao Google, iPhones e outras engenhocas, e monta desfiles fashion. Tudo isso foi constatado e documentado em livro pelo fotógrafo Michael Dweck que fez várias viagens à ilha.

A notícia não deixe de causar estranhamento. Dadas as características impostas pelo regime de Fidel Castro ao povo soa estranha a existência de uma ilha de privilegiados dentro da ilha cubana. A notícia do Times termina afirmando que” o livro de Dweck é uma narrativa dessa classe privilegiada e retrata uma curiosa distorção em um grande arco histórico”.

Economia e corrupção

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De economia o que você entende mesmo é a relação entre o seu salário e as despesas do mês. É nessa corda bamba que a sua vida se passa, com direito a momentos de tensão quando os custos variam e o seu salário continua fixo, esperando aquele reajuste anual que custa a chegar. O problema é que o tal reajuste, quando vem, em geral está defasado em relação á elevação dos preços provocada pela inflação que, dizem e repetem, está sob controle.

Aliás, falar é tudo o que os entendidos fazem, enfiando goela abaixo das pessoas lições e lições de economês. E como essa gente fala grosso! Então, não é um disparate que um mortal comum como você, assalariado, ouça no jornal da noite da televisão uns caras falarem em cifras na casa de bilhões e trilhões? Que história é essa de que o rebaixamento dos EUA de triplo A para AA+ faz caírem as bolsas do mundo e a Petrobrás mais a Vale do Rio Doce perdem, num só dia, um total somado de quase 45 bilhões? E aquela foto das crianças morrendo de fome na Somália, desnutridas de dar dó, por que não param com essa jogatina desenfreada e usam um pouco da grana para mandar umas comidinhas para aqueles pobres descarnados?

Aí vem um carinha dizer que o mundo é cheio de contrastes e nada se pode fazer contra isso. O homem não saberia o que fazer com a igualdade absoluta, então é preciso que exista o contraste, quem mesmo disse essa besteira dias atrás?

Pois é. Mas você não deve e não pode ficar nervoso. Você já tem problemas demais, a saúde da sua mulher, a escola dos filhos, o plano de saúde, o aluguel e outro tanto de coisas a pagar. Então, para que você fique tranquilo, as autoridades do país aparecem na TV dizendo que estamos preparados para resistir à crise mundial daí que não devemos parar de consumir pois o consumo movimenta riquezas e mantém vivo o sistema financeiro. E também há essa história de que, para a nossa sorte, somos exportadores de commodities e o mundo sempre vai precisar delas, principalmente os países asiáticos. A sua participação durante a crise está, portanto, decidida: basta ficar tranquilo e consumir. Esse é o papel do cidadão, do brasileiro que acredita no seu país e nas pessoas que o governam.

Até esse ponto as coisas até estariam bem paradas, não fosse essa história de corrupção que teima em não acabar. Todo dia alguém é demitido no governo por acusação de corrupção. Só nos dois últimos dias descobriram um lobista no Ministério da Agricultura e um rombo no Turismo. O Ministério do Turismo é o sexto a estar envolvido em casos de corrupção nos últimos dois meses -  prenderam 37 pessoas do Turismo, entre elas o nº 2 da pasta. Mas, calma, o ano ainda não acabou e existem muito ministérios que de repente nos surpreenderão com notícias funestas sobre corrupção.

No fim das contas o melhor é tocar a vida e fingir que nada está acontecendo. Também não adianta tentar entender porque os Estados Unidos foram rebaixados e tanta gente veio a público para dizer que a agência que fez o rebaixamento errou na conta. Mas, se ela errou, se todo mundo diz isso, por que a crise? Ah, a desconfiança, a movimentação dos investidores, a valorização do ouro, do dólar, dos títulos. Tá bom, deixa quieto.

No fim das contas, para o cidadão a questão é outra, é a de não saber em quem acreditar. À falta de baliza segura o negócio é imaginar o Brasil como uma espécie de Arca de Noé que vai flutuar enquanto o mundo inteiro estiver afundando.

Exagero? Pode ser, mas não se paga nada para fazer parte do bloco “me engana que eu gosto”.

Quando os anjos dizem amém

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Quando menino minha mãe me repreendia se eu dizia algo de que poderia advir alguma má sorte ou catástrofe. A palavra “azar” meio que era proibida. Tudo funcionava segundo aquele lema de “não tomar o seu santo nome em vão”, coisa associada ao pecado.

 Se eu dizia algo como “quero que se arrebente”, pronto, aí vinha a reprimenda dada a possibilidade de os anjos dizerem amém. Coisas para as quais os anjos dizem amém simplesmente acontecem, essa a regra. Se eu digo “melhor é morrer” o problema está na aquiescência dos anjos.  Se não estiverem ocupados, distraídos, jogando cartas, por exemplo, e ouvirem corre-se o risco de dizerem amém. Daí você morre.

De modo que não há meio de negociar com a vontade dos anjos – há quem diga que a única exceção seria o anjo da guarda. Dependemos do acaso de estarem por perto ou de nossos impropérios atravessarem estâncias infinitas e chegarem até eles. Existirão, sim, anjos judiciosos que talvez levem em conta nossos estádios emocionais e nos desculpem por algum desafogo expresso em palavras. Também é possível que existam anjos preguiçosos que deixarão para depois a merecida punição e terminarão por se esquecer dela. Entretanto, se o mundo de lá não passar de réplica deste que em que vivemos – com apregoam algumas religiões – também existirão anjos alforriados em juízes, loucos por aplicar sentenças até mesmo sem ouvir instâncias superiores das quais se libertaram. Esses seriam os piores, aqueles que são responsáveis pela maior parte das tragédias que acontecem nesse mundo.

Do que sempre discordei de minha mãe. O fato é que ao meu entendimento sempre pareceu muito estranho que anjos digam amém apenas para que coisas ruins aconteçam. Se eu digo, por exemplo, “vou ganhar na loteria”, realmente torna-se alarmante o silêncio dos anjos. Para coisas assim, que modificariam para muito melhor a vida da maioria das pessoas, parece que os anjos são surdos. Tá bom que as coisas sobrenaturais sejam inexplicáveis, que a lógica que conhecemos não se aplique em instâncias não humanas, mas, cá entre nós, não é estranho?

Pois semanas atrás aconteceu de uma mulher ganhar em três loterias diferentes. Esse fato incomum por si só desperta muita curiosidade. Como pode uma determinada pessoa vir a ser agraciada com tamanha sorte? Teria ela feito algum pacto? Seria ela algum tipo de delfim do agrado de uma casta de anjos? Por que milhares de pessoas apostam diariamente em jogos de azar e poucos são premiados? Ou o melhor é aceitar a lógica de probabilidades que conhecemos, permanecendo circunscritos aos fatos do nosso mundo, sem admitir interferências externas, inclusive a de anjos?

Não sei. Ultimamente cheguei à conclusão de que não custa nada apostar no improvável em termos de sorte. Também me parece que a oposição obstinada à possível participação dos anjos em várias circunstâncias da vida não leva a nada. Daí que passei a repetir, diariamente, que vou ganhar na loteria. De repente os anjos ouvem e dizem amém…

Ia terminar dizendo que há mais coisas entre o céu e a terra… mas o dia não está para clichês. Agora pouco a cidade foi encoberta por densa neblina e não faz muito começou a soprar um vento forte, vindo do mar. O vento faz as janelas baterem, produzindo sons estranhos, talvez sussurros ininteligíveis. Seriam respostas de anjos a um incrédulo que diz bobagens sobre eles?

A morte gravada

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Antigamente morria-se mais discretamente, anonimamente. Mesmo os que morriam de repente tinham mais direito à privacidade. A morte chegava como sempre sem aviso, mesmo nos casos em que podia ser pressentida. Todo mundo sabe que a morte ronda certos lugares onde atende a maior o número de chamados. Hospitais, estradas… Há quem acredite que a morte atua do mesmo modo em qualquer lugar, mas o fato é que é presente onde mais se precisa dela.

Quase ninguém se dá conta, mas a morte não passa de um funcionário da eternidade. Há um grande poema – cujo autor escapa à memória – que fala sobre o homem que se levanta de manhã no dia em que vai morrer. É um dia como os outros, com problemas a resolver e tanta coisa a fazer. Tudo seria como sempre exceto por esse encontro imprevisto, depois do qual tudo deixará de ser.

Mas, dizia, no passado morria-se mais discretamente. Hoje em dia não é assim, há casos em que os detalhes que precedem o grande momento são dolorosamente revelados e exibidos nos meios de comunicação. Câmeras nos estabelecimentos comerciais, nas ruas, em toda parte, flagram os últimos momentos de alguém e muitas vezes a ação da própria morte. Aqui alguém baleado num tiroteio, ali uma pessoa espancada até a morte, mais além um veículo em alta velocidade que colide com outro ou atropela alguém. Cenas mudas, terríveis, dolorosas, cotidianas, absurdas, incorporadas ao dia-a-dia como se fossem absolutamente naturais.

Agora se fala muito sobre o acidente em que uma moça, dirigindo uma Land Rover, atropelou e matou um rapaz. Há indignação geral, a moça teria bebido antes ou não, seria ela ou não ao volante, o assunto rende especulações de todo tipo. Mais terríveis são as cenas que vão sendo coletadas, obtidas a partir de filmes gravados por câmeras localizadas no lugar onde tudo aconteceu. Então há um filme em que o rapaz atravessa uma rua, andando muito depressa. Ele segue pela faixa de segurança, não passa de um vulto correndo na madrugada. Um instante depois acontece o acidente que o filme não mostra. Então estão aí, por toda parte, sendo mostrados os derradeiros instantes de uma vida prestes a ser extinta, a imagem de um vulto correndo, pode-se imaginar com que dor aqueles que amam e sofrem pela perda do rapaz terão visto essa cena.

As imagens gravadas pelas câmeras podem ajudar a desvendar o que acontece, mas para quem perde um ente querido talvez o melhor seja não ver cenas que se repetirão para sempre nas memórias, uma família sendo levada pela enxurrada, um filho deixado morto na calçada após ser espancado, um rapaz correndo para a morte que o espera logo à frente, sob as rodas de um veículo.

Mundo cão

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Não sei dizer a partir de quando, mas passei a não gostar de filmes de terror ou tramas excessivamente violentas. Quanto ao terror é estranha a minha mudança de opinião de vez que desde menino procurei ler tudo relacionado ao gênero. Edgar Allan Poe terá sido uma das minhas primeiras paixões literárias. Tínhamos em casa a obra completa dele, publicada em três volumes pela Editora Globo. Através desses livros tomei conhecimento, entre muitos outros, do caso do Sr. Valdemar que não conseguia morrer porque havia sido hipnotizado e o homem que o hipnotizara mantinha-o preso, não o deixando acordar. Poe abriu para mim um mundo fantástico no qual muitas vezes me refugiei para sair da mesmice do dia-a-dia.

É provável que a minha intolerância com filmes de terror se prenda à natureza das obras hoje produzidas. A maioria dos filmes de terror – e grande parte dos de suspense – aposta em clichês bastante surrados, sendo que cenas capazes de provocar susto parecem ser as preferidas dos diretores de cinema.

E que dizer dos horrores que a realidade diariamente nos impõe? Ora, são talqualmente insuportáveis. Hoje mesmo ouvi pelo rádio do carro sobre um ataque de uma quadrilha. armada até os dentes a um supermercado, em São Paulo. A ação se deu na madrugada; a polícia foi avisada e dos quinze bandidos, cinco foram mortos. Do lado da polícia alguns feridos, mas nenhuma morte. Funcionários do supermercado que trabalhavam na ocasião sofreram violências, sendo que um deles foi trancado no frigorífico. Só esse fato já bastaria como dose diária de horror se eu não lesse no jornal que um índio culina, acusado de canibalismo, foi inocentado.

A história é horrível. O crime aconteceu em fevereiro de 2009: o corpo de um deficiente físico foi esquartejado a golpes de facão, sendo que nem todas as partes foram encontradas. Sete índios foram acusados de ter comido as partes desaparecidas do corpo. Dois deles foram presos e os outros são considerados foragidos. Um dos índios presos acaba de ser inocentado pela Justiça do Amazonas por falta de provas.

Se houve canibalismo ou não, não se sabe com certeza. Mas a história é horrível, horrorosa.

Chega!

José Lins do Rego

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Está no livro Gordos e Magros, de autoria do escritor José Lins do Rego Cavalcanti (1901-1957) e publicado em 1942 pela Casa do Estudante do Brasil, um ensaio no qual  o modernismo paulista é criticado. Antes de falar sobre o ensaio vale dizer um pouco sobre esse grande escritor nem sempre lembrado, mas que pertence ao rol dos grandes da literatura brasileira.

O Zélins, como o chamavam, formou junto com Jorge Amado e Graciliano Ramos, uma tríade de importantes escritores regionalistas da literatura brasileira. Seu primeiro romance, Menino de Engenho é obra de valor e inesquecível. Depois dele vieram quatro livros que juntamente com Menino de Engenho foram enfeixados pelo próprio autor sob o nome de Ciclo da Cana de Açúcar. São eles: Doidinho, Banguê, O Moleque Ricardo e Usina. Entre outros trabalhos de Zélins estão os romances Fogo Morto e Pedra Bonita.

Paraibano, polemista, flamenguista roxo e pessoa despojada, Zélins escreveu romances, ensaios, livros de viagem, crônicas, conferências etc. Seus trabalhos mereceram estudo de críticos importantes que neles destacaram, entre outras características, a alta expressão literária, a inventividade, o memorialismo, o poder de descrição, a sensibilidade e a grande técnica que embasa uma linguagem simples.

Quando ao modernismo, não há que se negar a importância da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo no ano de 1922. Tornou-se ela marco divisório nas letras nacionais e desse modo tem sido entendida e ensinada nas escolas. Existe uma literatura antes da Semana e outra depois dela. O que não se diz ou não se ensina é que o movimento modernista, iniciado com a Semana de Arte Moderna, não foi uma unanimidade no país. Nesse sentido vale ouvir o que nos diz José Lins do Rego no ensaio Espécie de História da Literatura que integra a coletânea Gordos e Magros. Na verdade o ensaio é uma resposta ao escritor Sergio Milliet(1898-1966) em razão de uma crítica que ele publicou sobre o  então romance contemporâneo no Brasil. Segundo José Lins:

- o crítico Milliet considera que tudo o que há nas letras do Brasil procede de uma chamada Semana de Arte Moderna que meia dúzia de rapazes inteligentes e lidos em francês realizou em São Paulo com tiques e toda a mise-em-scêne com que Marinetti se exibira em palcos italianos, há 15 anos.

José Lins acrescenta que fora do eixo São Paulo-Rio, especificamente no Recife, a agitação modernista foi vista como “uma velharia, um desfrute, que o gênio de Oswald de Andrade inventara para divertir os seus ócios de milionário”.

Sobre o Macunaíma, de Mário de Andrade, diz José Lins:

- A língua de Mário de Andrade em Macunaíma nos parece tão arrevesada quanto a dos sonetos de Alberto de Oliveira … O livro de Mário de Andrade só foi bem entendido por estetas, por eruditos, e o seu herói é tão pouco humano e tão artificial quanto o boníssimo Peri de Alencar … Esse livro de Mário de Andrade é o mais cerebral que já se escreveu entre nós. Se não fosse o autor um grande poeta, seria o Macunaíma uma coisa morta, folha seca, mais um fichário de erudição ecológica do que um romance.

No mais José Lins defende a literatura nordestina chamando a atenção para o vigor e saúde dela que vêm das entranhas da terra e da alma do povo.

Não deixa de ser interessante a leitura dos ensaios que fazem parte de Gordos e Magros. Escritos por alguém não comprometido com o tom laudatório que em geral cerca autores e obras consagradas os ensaios muitas vezes oferecem pontos de vista discordantes da opinião geral dos críticos. De todo modo trata-se de uma leitura agradável que nos coloca em contato com uma mente poderosa e consciente de seu superior individualismo.

Não por acaso o escritor e poeta Ledo Ivo reafirmou, em palestra de 2001 proferida na Academia Brasileira de Letras, a posição de José Lins do Rego em relação ao modernismo:

José Lins do Rego é considerado um escritor modernista e um escritor moderno. Na minha opinião, este é um rótulo muito simples, e até falso, porque entendo que houve no Brasil dois modernismos: o modernismo de São Paulo e o modernismo do Recife.

O modernismo paulista, como todos sabem, ancorava-se numa aspiração de modernidade, de ruptura, de destruição do passado. Um modernismo contra o soneto, contra o verso medido e metrificado. Era o modernismo de uma sociedade que não tinha passado, num certo sentido. Mário de Andrade e Oswald de Andrade são exemplo típico dessa consciência. Era o modernismo da máquina, da pressa, da revolução arquitetônica.

No Nordeste ocorreu um outro modernismo, do qual José Lins do Rego é um dos grandes protagonistas. Este modernismo nordestino teve como seu grande ícone, seu grande guru, o escritor Gilberto Freyre, que voltando da Europa, em 1923, começou a falar, aos jovens escritores daquela região, de outros nomes e de outros sinais de modernidade. O modernismo nordestino se caracteriza pela tradição, pelo sentimento do passado e não por sua destruição, pela valorização da região, por uma descoberta e redescoberta do passado. Tanto é assim que ele deu dois livros fundamentais nesse sentido: Casa-grande & senzala de Gilberto Freyre e Menino de engenho de José Lins do Rego.

O ministro e a verdade

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Há tempos assisti a um filme no qual no qual uma criança é sequestrada e morta. Não vou dizer o nome do filme para não estragar o prazer de possíveis cinéfilos que venham a assisti-lo. Quando a criança desaparece um detetive é contratado para encontrá-la. Como sempre acontece nesses casos a relação entre o detetive e a polícia é sofrível. No final o detetive descobre tudo sobre o sequestro e seu dilema é contar ou não a verdade. Revelar o que descobriu vai afetar a vida e a felicidade de muita gente, além do que ele estará condenado a ficar sozinho. No fim o detetive opta pela verdade ainda que isso represente prejuízo para as pessoas envolvidas. Para que se tenha ideia a própria mulher do detetive o deixa por não concordar com a sua atitude.

Espero não ter falado demais sobre o filme, comprometendo o suspense para pessoas que venham a assisti-lo.  Tenho um amigo, a quem não vejo há muito, que é um verdadeiro especialista em estragar filmes, dado que costuma relatar o enredo aos que o cercam. Ele adora cinema e simplesmente não consegue deixar de contar tudo. Por que o ouvimos? A desgraça é que o meu amigo é um bom contador de histórias. Ele fala sobre a trama dos filmes com tanta emoção e encanto que é como se estivéssemos no cinema vendo a fita passar na tela. A brincadeira que fazemos com ele é a de perguntar o preço do ingresso para pagá-lo, assim que termina o seu relato.

Lembrei-me do detetive do filme de suspense ao ler que o ministro Nelson Jobim declarou ter votado em José Serra nas últimas eleições. Sendo ele ministro do governo de Dilma Roussef é de se perguntar a quem interessaria a revelação de seu voto, justamente no candidato que concorria com a atual presidente na eleição passada. Afinal, vamos e convenhamos, o voto é secreto, que se saiba não existem câmeras nas urnas e ninguém está obrigado a declarar em quem votou. Somando-se a isso o fato de que entre a presidente e o ministro existe uma relação de confiança e, mais que isso, de identidade parece ao leigo meio despropositada e extemporânea a confissão de voto no candidato opositor.

Sendo esse assunto convite à mais que pura divagação não será fora de propósito imaginar  que Nelson Jobim talvez estivesse em crise de consciência relacionada a seu voto e o cargo que ocupa. Em assim sendo terá assumido, por necessidade, revelar algo de foro íntimo, tornando pública a sua anterior dissidência. A verdade é que ao votar em José Serra o ministro entendeu ser esse candidato melhor preparado para o cargo hoje ocupado pela atual presidente. Daí ser impossível passar ao largo do estranhamento entre o voto dado e revelado e a assunção do cargo com que o ministro foi honrado pela presidente.

O problema é que hoje em dia a confiabilidade no sacramento da confissão anda em crise. O mais fácil teria sido o ministro achar que cometera um pecado e confessá-lo. O padre entenderia afinal política é política. A pena seria a de rezar uma boa dezena de ave-marias e, depois disso, alma lavada e consciência tranquila, o ministro continuaria em seu cargo não se obrigando a revelação tão inusitada. Seria muito bom se tivesse sido assim, afinal competência não falta ao ministro.

O velho e já não tão bom dólar

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Esse papo de que o Brasil tornou-se uma fortaleza capaz de resistir a um naufrágio da economia mundial é pura conversa mole. O que se tem é um castelo de cartas capaz de ruir com direito a efeito cascata, melhor dizendo efeito tsunami.

A possibilidade de calote dos americanos é algo de proporções alarmantes para a economia, afinal o dólar e o Tesouro dos EUA constituem-se na base da economia mundial. Daí potências como a China mostrarem-se alarmadas, vindo a público para dizer que o mundo não pode pagar pelo descalabro da dívida norte-americana.

A verdade é que a festa acabou e só falta acrescentar a cor vermelha de débitos na orgulhosa bandeira norte-americana. Enquanto isso nós aqui, filhos de Deus, vamos vivendo como se nada estivesse acontecendo, impulsionados por notícias de riquezas a perder de vista.

Que o Brasil vai bem economicamente e são grandes as possibilidades de futuro promissor ninguém desmente. Entretanto, esse quadro é ensombrecido pela incerteza mundial. Achar que estamos imunes à crise que invade fronteiras por toda parte é bobagem.

O problema é que para a crise atual dos EUA nem mesmo o Capitão América teria solução. E nós que sempre admiramos aquela riqueza toda e incorporamos a parte possível do “american way of  life” simplesmente ficamos atônitos quando nos dizem que o maior poder do mundo enfrenta crise sem precedentes.

É de se imaginar, nos dias atuais, a apreensão da turma que compra dólares para fazer poupança. E aí, como está a confiança nas “verdinhas”? Muita gente compra no paralelo e esconde em casa porque dólar pode flutuar, mas com ele nunca se perde. Mais dia, menos dia, o governo é obrigado a dar uma desvalorizada na moeda nacional para garantir as exportações. Ganha quem tem dólar, ainda que pouco. Que poupança, que nada, dólar é melhor. E se não for mais assim? Caso mudem as regras do jogo entraremos na esfera do inimaginável, do mundo de cabeça para baixo procurando por um novo ponto de equilíbrio.

Há quem diga que a História não ensina grande coisa e o passado não serve para nada. Em todo caso vale lembrar que o maior império do passado, o romano, também teve um fim. Depois dele as coisas andaram mal paradas, bárbaros arruinaram com os restos de civilização e a Idade Média ficou conhecida como período das trevas. Mas, o mundo não acabou. Assim como não deverá acabar se os EUA deixarem de ser a maior potência do planeta.