2011 maio at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para maio, 2011

A qualidade da programação da TV

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No prefácio de “O Mundo Moderno – Dez Grandes Escritores”, de Malcolm Bradbury, Melvyn Bragg fala da televisão como alvo de esnobismo. Nesse texto, de 1987, Bragg destaca o fato de a televisão ser considerada um meio de divulgação novo, ao qual praticamente toda gente tem acesso, mas em cuja tela se vê de tudo, do lixo ao mais sublime. Daí o esnobismo de setores culturais em relação à TV, repetindo-se aquilo que aconteceu entre a gente de teatro em relação ao cinema em seus primórdios.

Ao escrever o prefácio Bragg tinha em perspectiva a produção de uma série de programas de arte para a televisão, destacando a oportunidade de a TV proporcionar uma atitude compreensiva com os programas dirigidos às minorias. Importa destacar que o texto de Bragg refere-se exclusivamente a um momento em que a televisão britânica reunia condições de produzir programas a serem exibidos com alguma flexibilidade de horários e mesmo contando com pequenas audiências. Em todo caso, a premissa das equipes envolvidas na produção de programas de arte era fazê-los do modo mais escrupuloso possível, assemelhando-os a produções teatrais e documentários da melhor qualidade.

Quase trinta anos depois da publicação do prefácio ao livro de Bradbury a temática então abordada por Bragg ainda se impõe. Obviamente, muita água passou por debaixo da ponte nesse longo período. Novos meios de comunicação se expandiram e a evolução da informática abriu aos cidadãos do mundo uma infinidade de opções de contato. A televisão mudou substancialmente durante esse tempo não só pela revolução tecnológica de que se beneficiou, mas por ter se tornado possível a instantaneidade da informação, aliada à enormidade de recursos de produção com grande qualidade de imagem. Paralelamente, o mundo mudou e muito, sendo o foco de atenção, antes mais voltado para os países desenvolvidos, dividido com economias emergentes e mesmo com grande parcela nas minorias que tiveram acesso a aparelhos de TV e recepção de vários canais. Basta lembrar a verdadeira invasão das favelas por bens de consumo, antes inacessíveis a seus moradores, para se demonstra o quanto se ampliou a teia global de espectadores.

O que não se pode olvidar é a existência de uma imensa legião de espectadores de televisão distribuídos segundo nova estratificação social decorrente de mobilidade em sentido ascendente dos segmentos de menor renda. No Brasil destaca-se o crescimento da chamada classe C, imediatamente seguido pelo das classes D e E. Esse novo contingente de consumidores tem chamado a atenção de vários setores, obviamente interessados em dele aproximar-se visando a ampliação de seus negócios ou interesses diretos. No caso da política, por exemplo, trava-se nesse momento embate entre os partidos no sentido de direcionar seus discursos às classes emergentes, conquistando os seus votos. Recente artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso causou celeuma por ter ele dito que seu partido, o PSDB, deveria conquistar espaço entre segmentos das classes emergentes, deixando de lado o chamado povão. Ao que reagiram seus adversários, espertamente distorcendo o significado das palavras dele para, ao final, adotar junto aos seus partidários justamente a linha de propaganda sugerida pelo ex-presidente.

Mas, o nosso assunto é TV e com tantos arrazoados já não nos resta muito espaço. O fato é que as emissoras de televisão, atentas à nova estratificação social, procuram condicionar suas programações aos anseios do público predominante que as assiste. Isso ficou muito claro em recente entrevista do Diretor Geral da Rede Globo, Sr. Octávio Florisbal, quando falou sobre s mudanças de programação, visando atingir a classe C. Sempre atenta à mobilidade social, envolvendo as classes C, D e E, a Globo tem detectado nelas mudanças de comportamento e valores. Em decorrência disso e novos hábitos de consumo a Globo tem mudado a sua programação de modo a atendê-las. Segundo o diretor tanto na dramaturgia quanto no jornalismo o imperativo é a necessidade de aproximação desse novo público, deixando-se de lado algo mais geral em favor de produções mais específicas. Nesse sentido as palavras do diretor são contundentes:

- Eles têm que ver a sua realidade retratada nos telejornais. Eles querem ter uma linguagem mais simples, para entender melhor.

Diante disso a questão que se impõe é possibilidade de maior banalização da informação e perda de qualidade artística da dramaturgia. Se levarmos em conta a competição entre os canais da TV aberta associada à necessidade de conquista de maior audiência – destaque-se que as classes C, D e E constituem-se em 80% da população – evidencia-se o afastamento da programação de TV de critérios educativos e artísticos. Trata-se da produção em massa e para as massas, distanciando-se da premissa de oportunidade de a TV proporcionar uma atitude compreensiva com os programas dirigidos às minorias, citada anteriormente.

O Brasil vai bem, é com satisfação que se assiste à mobilidade social ascendente cuja tendência é a redução da disparidade econômica da população, afastando as camadas menos favorecidas da pobreza. Por outro lado, abre-se uma grande discussão nacional sobre como lidar com a revolução social em trânsito. É grande o papel dos meios de comunicação a desempenhar nesse momento de transição, cabendo a eles responsabilidade em relação ao aprimoramento cultural da população. Esse fato não pode ser ignorado e reveste de enorme responsabilidade social a linha de trabalho a ser adotada pelos veículos de comunicação de longo alcance no país.

Adiantando o meu lado

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Aconteceu, dias atrás, na cafeteria de um shopping-center. Pedi dois cappuccinos e fiquei no balcão, esperando uma mocinha prepará-los. O processo revelou-se demorado ao que me acudiu outra funcionária me dizendo o seguinte:

- O senhor pode ir ao caixa pagar, assim adianta o seu lado.

Diante disso, achei melhor adiantar o meu lado e fui pagar. Paguei, adiantei e retornei ao balcão quase no momento em que a moça do preparo dava por terminada o sua missão.

Deu certo. Tomamos os cappuccinos que estariam bons se não viessem adoçados, com excesso de açúcar. Tão melados estavam que não consegui terminar o meu. Depois saí de lá – sentáramos a uma mesinha – pensativo. O fato é que uma coisa tão simples como tomar um cappuccino me incomodara muito. Mas, o que exatamente me incomodara? Seria o danado do paladar açucarado que me apoquentava? A cadeira um pouco dura teria cutucado a minha coluna? O preço pago pelos cappuccinos?

Confesso que não identifiquei de pronto a razão do meu desconforto. Passaram-se bem uns dez minutos até que topei com a solução: chateara-me muito aquele “adianta o seu lado”, coisa que então me pareceu grosseira demais. Entretanto – e aí a insatisfação aumentou – a frase parecia não corresponder à pessoa que a emitiu. De fato, a moça que me recomendou ir ao caixa – para adiantar o meu lado – quisera me ajudar, dissera aquilo com a melhor das intenções. Ora se ia mesmo demorar, por que eu não poderia pagar adiantado e ganhar tempo? Olhe que cappuccinos esfriam…

É no que dá o avanço de certos modismos de linguagem que são incorporados ao dia-a-dia das pessoas, muitas delas - para não dizer grande parte delas – possuidoras de instrução pouco mais que básica. Pode até ser que se ache muita frescura alguém se incomodar com expressões do tipo “adiantar o seu lado“. Entretanto, naquele lugar que tenta se passar por sofisticado, no qual trabalham funcionárias bem ajambradas e o que se vende custa caro a expressão soou grosseira, despropositada. Funcionou como se alguém interferisse justamente no meu lado, naquilo que me pertence e depende de minhas decisões pessoais. O meu lado é a parte íntima do meu ser, da minha existência, do modo como vejo e interpreto tudo o que me cerca. Pode até ser que eu esteja, como se diz por aí, “viajando na maionese”. Mas, me incomodou que pelo simples prazer de tomar um cappuccino o meu lado fosse exposto assim, ao valor de ir ao caixa e pagar a conta.

Imagino que muita gente possa discordar disso tudo, eu mesmo fico pensando se não exagero. Mas, mesmo que esteja errado: cá entre nós esse é o tal do meu lado, é a ele que estou adiantando agora, rogando para que as pessoas tenham mais cuidado com o significado das palavras, que não as usem fora de contexto e grosseiramente. E para quem duvidar de que a expressão “adiantar o seu lado” é de uso corrente recomenda-se uma olhada no twitter para constatar como ela é empregada a todo transe pelos internautas.

Os meus medos

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Aquele tio Nenê era na verdade tio de meu pai, irmão de minha avó. Sujeito sempre muito magro e falante descendia de italianos e viera do Sul de Minas, trajeto feito a cavalo, bom cavaleiro que ele era. Depois dele veio sua família: a mulher e dois filhos, que o terceiro, mais velho, morava no Rio.

De todo modo esses meus parentes abancaram-se numa casa próxima à nossa, na mesma e única rua do então vilarejo, hoje cidade com turistas e os comemorativos que fazem parte das hordas de invasores que andam por aí. Pois esse Nenê trouxe as mais terríveis histórias fantásticas as quais tinha ele muito prazer em contar. É bom lembrar que, na época, a energia elétrica da região era fornecida pela Companhia Sul Mineira de Eletricidade que, a bem da verdade, não funcionava lá grande coisa. De modo que se dispunha de iluminação fraca e muito propícia à criação de ambientes tétricos para um menino de cerca de dez anos que eu era então. Afinal e como todo mundo sabe nas sombras escondem-se os seres sobrenaturais.

O caso é que à noite, na casa do Nenê se juntavam uns tantos ao redor do fogo – fazia frio, muito frio – e ali a tradição oral rolava solta com cada um contando os seus casos escabrosos, boa parte deles envolvendo mitos conhecidos como lobisomens, capetas, sacis e outros seres imaginários que ali eram apresentados como reais e sempre ameaçadores. As melhores histórias eram sempre as do Nenê, ele proprietário da arte natural de narrar com algum enredo e recursos de gerar expectativas.

Mas, os meus medos não nasciam tanto dessas histórias que eu adorava ouvir por pura teimosia de vez que, depois, voltava a casa pela rua escura e temia ser assaltado por um desses seres estranhos. Meu maior medo sempre foi de almas de outro mundo, essas sim aterrorizantes. Minha infância foi povoada pela narrativa de fatos sobrenaturais de modo que, a partir daí, o sobrenatural passou a fazer parte da minha vida e jamais o deixei. Para isso muito contribuíram as minhas precoces leituras dos contos de Edgar Allan Poe que legaram personagens que me acompanham vida afora. Foi através de Poe que adquiri, em menino, grande temor da catalepsia, medo esse embasado no conto “Enterrado Vivo”. Quando temor me causou, anos a fio, o conto chamado “O Estranho Caso do Sr. Valdemar”, história de um homem doente que foi hipnotizado antes de morrer e ficou preso ao hipnotizador que não o deixava partir. E que horror puro e profundo naquele “Retrato Oval” que me infundiu o receio dos quadros com retratos de pessoas mortas que, naqueles idos, tinha-se por hábito pendurar nas paredes das casas.

Assim, iniciado na literatura de horror e ouvinte de relatos fantásticos desenvolvi o medo dos lugares escuros, dos corredores em cujo fim alguém do outro mundo poderia esperar por mim, das portas entreabertas, dos quartos onde dormiram pessoas já mortas, dos cemitérios onde almas vagavam madrugadas afora à espera de um momento para saírem dali e assombrar os incautos do mundo.

Já não tenho medo dos mortos, nem as assombrações me impressionam. Às vezes, quando acordo durante a madrugada e ando pela minha casa às escuras me pergunto se alguém a quem conheci e morreu não poderia de repente surgir à minha frente. Em algumas dessas ocasiões não é impossível experimentar a sensação epidérmica de alguma presença intrusa, fato evidentemente provocado por autossugestão. Ademais, confesso que não sei qual seria a minha reação caso a antiga casa de minha avó se erguesse das cinzas e eu tivesse que dormir, agora, naquela enorme e soturna sala que tanto medo me dava na infância. Quantos corpos de parentes mortos foram ali velados num tempo em que não eram muito habituais os velórios em necrotérios, isso em cidades do interior.

Por fim, destaco a importância do medo em minha formação. O contato com o sobrenatural contribuiu para a noção de relatividade da vida, a impressão de que existe algo de falso na realidade e, principalmente, para a constatação de que a incerteza é fundamental para que nos mantenhamos vivos, espécie de pacto com o imponderável que torna mais palpável o enigma da vida.

Inflação - o retorno

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Na verdade a inflação nunca foi embora de verdade, o monstro só estava preso, sob controle como se diz. Mas, monstro é monstro, não fosse assim não existiriam os filmes de terror.

Como todo mundo sabe inflação e crescimento não de dão bem: aumentam os índices de inflação, caem os de crescimento. Tempos atrás o novo governo jurou de morte o monstro da inflação, mesmo sabendo que não poderia matá-lo. Fechou a meta do índice de inflação para o ano em 5%, o do crescimento em 4% e agora, lá nas hostes governistas, certamente já se sabe que a inflação vai passar do índice previsto e o crescimento será menor.

O fato é que para muita gente esses índices de inflação parecem baixos. Num país que já viveu surtos inflacionários absurdos – antes do governo FHC – coisas como 5% e 7% se apresentam como mais que toleráveis. Meu caro, não são nada toleráveis, muito pelo contrário. Não se juntam realidades diferentes num mesmo saco, nem se confundem sem prejuízo poderes de compra do dinheiro de épocas diferentes. Não entendo nada de economia, mas sou bom nos preços dos produtos que consumimos em casa. Então é só prestar atenção. Imagine que você foi ao supermercado há uns três ou quatro meses e comprou alguma coisa, uma lata de doce ou sei lá o quê, e a deixou no armário da cozinha. Agora você comprou outra e, quando foi guardar, comparou os preços. Pois é. Veja a diferença de preço do mesmo produto e cuidado para não jogar fora a lata com medo dela, afinal o que você tem nas mãos é um tentáculo do monstro da inflação.

Para desentendidos como eu a inflação é mais bem explicada como redução do poder de compra do dinheiro. É coisa que se sente no bolso. Vá à feira-livre, pare numa das barracas em que está habituado a fazer compras. Não se deixe enganar pela variação de preços de produtos sazonais. Verifique os preços de produtos que você compra semanalmente. Se você se der a esse trabalho verá que está gastando mais dinheiro agora para comprar as mesmas coisas. Pronto, eis aí o monstro em ação.

Bem, tudo o que está escrito até agora é muito sabido por todo mundo. Então, por que tocar no assunto? Meu caro, monstro é monstro e não dá para dormir sossegado enquanto ele não estiver absolutamente controlado. Demais, em passado não distante fomos vítimas de uma inflação terrível que quase acabou com as nossas vidas. Então devemos cobrar do governo o controle da dívida interna, cuidados com investimentos, financiamentos e destino de verbas, combate à corrupção e fiscalização de tudo o que envolva dinheiro público. Não é que estão querendo facilitar licitações para obras destinadas à realização da Copa do Mundo só porque o tempo foi mal administrado e corre-se o risco de fazer um papelão perante o mundo? E nós com isso? E como fica o TCU?

Inflação é coisa do mal que afeta o bem-estar. As camadas mais pobres da população são as que mais sofrem com a escalada dos índices inflacionários. Cabe ao governo o controle da situação, visando controlar a inflação e dinamizar o crescimento do país. O contrário disso é a treva que, meninos, nos já vimos no passado.

Minha mãe

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Não há “Dia das mães” que eu não comece me lembrando da famosa música cantada por Francisco Alves em homenagem a elas. No mais lembro-me de minha mãe, morta há muito tempo. Com ela comemorei muitos dias como o de hoje, entremeados com poucas falhas, todas por minha culpa e responsabilidade. De uma delas bem lembro: no dia, não viajei para visitar minha mãe. No meio da tarde telefonei para ela que disse aquele “tubo bem”, mal escondendo a voz chorosa de quem aguardava a presença do filho.

Minha mãe foi mulher simples e prática. Fez o possível para infundir nos filhos um espírito de luta que nem sempre souberam levar a cabo. Passou a vida a exercitar sua reconhecida inteligência com dificuldades de todo tipo e flores, sempre flores. Sempre morou em casas e, por menores que fossem os quintais, neles havia pelo menos um canteiro com rosas, cravos e outras flores. Adorava fazer enxertias e cuidava das plantas melhor que de si mesma.

Por volta dos 50 anos de idade a saúde a traiu com a ocorrência daquele que seria o primeiro de alguns acidentes vasculares cerebrais que sobreviriam. Ela nunca se recuperou bem do primeiro e a situação agravou-se com o decorrer do tempo. Nos últimos anos viu-se recolhida ao leito, doente, mas sempre lúcida, embora os problemas decorrentes de transtornos neurológicos dificultassem a fala dela.

Há quem não goste dos “Dia das Mães” dizendo que a data mais responde aos apelos comerciais que afetivos. Vá lá que o comércio deite e role na ocasião com investimentos em propaganda e bons retornos em compras. Mas, que invenção melhor que essa haveria para que pudéssemos homenagear as mães? De resto, cada um faz a coisa a seu modo, nem que seja através de um pequeno texto em um blog, enviado de uma dimensão a outra, o filho esperando que mãe receba sua mensagem para que, outra vez, ele não falhe com ela.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 maio, 2011 às 11:18 am

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Acidentes aéreos

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Conheço gente que não entra em avião de jeito nenhum, nem que pague como se diz. Não adianta dizer a elas que a probabilidade de acidentes e mortes no trânsito é maior que em aviões. Estatísticas não contam quando o assunto é estar a 8 mil metros de altura, sem saída caso uma catástrofe aconteça.

Conhecemos bem a história de acidentes aéreos, muitos deles extremamente chocantes. Aquele avião que não parou ao aterrissar na pista de Congonhas, indo bater num prédio, é uma das memórias mais impactantes em relação a desastres aéreos. Toda vez que passo por ali, trafegando pela Av. Rubem Berta, lembro-me de uma mãe que descreveu sua dor ao saber que os corpos de seus dois filhos ardiam em meio às chamas do prédio. Impossível dor maior determinada por alguma falha do piloto, da pista, do controle aéreo, do próprio avião ou o que quer que seja: um detalhe que roubou a vida de muita gente, deixando famílias para sempre traumatizadas.

Agora volta-se a falar do grande acidente ocorrido em 2009, envolvendo avião da Air France. Até hoje não se sabe o que aconteceu porque o avião simplesmente despareceu e, dias depois, pedaços dele foram localizados no mar. Alguns corpos foram então encontrados, mas a maioria deve ter ficado presa ao avião. Desde então famílias reclamam os corpos de seus entes queridos e o mistério persiste. Entretanto, nos últimos dias robôs encontram uma das caixas-pretas do avião e dois corpos foram retirados dos escombros. Das caixas espera-se que tenham se mantido intactas as vozes dos pilotos gravadas e dados que poderão esclarecer o grande mistério que envolve a queda da aeronave. Quanto aos corpos é muito importante que sejam resgatados e identificados, colocando fim ao longo episódio de espera das famílias dos passageiros do fatídico voo.

De todo modo a ação que ora se passa no local em que se encontra o avião envolve aspectos que impressionam. Em primeiro lugar, impressiona muito que vozes desaparecidas há cerca de dois anos sejam recuperadas, retratando os últimos instantes de vidas. Quanto aos corpos é de se pensar nesse longo período em que permaneceram insepultos, presos às poltronas por cintos de segurança, no fundo do mar. Imagino o que seja a atividade dos homens encarregados do resgate, ainda que por meio de braços de robôs.

O mistério que envolve o voo 447 da Air France está para ser esclarecido. Mas não se leem as notícias sobre o que está acontecendo como fato corriqueiro. É impossível não se pensar no desespero que tomou conta dos passageiros em seus últimos momentos e no fato de terem ficado desparecidos por longo tempo. Há nisso algo que ofende a naturalidade com que estamos habituados a encarar os fatos, algo que nos atemoriza e fazemos força para olvidar.

Ernesto Sábato

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Morreu o argentino Ernesto Sábato, reconhecido internacionalmente como grande escritor. Interessante o fato de que ele não se considerava escritor de ofício. Físico nuclear de formação, com passagem pelo MIT, professor universitário em seu país, Sábato deixou a profissão para escrever e pintar.

Como em outros casos não importa muito se Sábato se considerava principalmente escritor ou não: escreveu livros importantes como “O Túnel”, “Abadon, o exterminador” e “Sobre heróis e tumbas”. Antes disso, participou ativamente de movimentos comunistas e, anos mais tarde, presidiu a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas. De sua participação investigativa sobre crimes ocorridos durante a ditadura argentina surgiu o livro “Nunca Más” que viria a impulsionar o julgamento de militares ativos durante o período ditatorial.

Dos livros de Sábato o que me é mais caro é “O Túnel”. Aqui chamo a atenção para o fato de que o efeito de um livro sobre seu leitor depende de características circunstanciais da vida desse leitor e daquilo que ele busca naquele dado momento. Se lermos o que se escreveu sobre “O Túnel” veremos que muito tem-se destacado a tendência existencialista do Autor e o temário da incomunicabilidade e da solidão. A personagem principal, Juan Pablo Castel, é um assassino confesso que matou a única pessoa que podia compreendê-lo e a quem amava. Castel narra em primeira pessoa e está preso a um labirinto de reflexões gerado por sua obsessão insana. O título do livro nasce da constatação de que os homens criam túneis para levarem suas vidas, fato que impede encontros e os sentencia à irrevogável solidão. Resta, portanto, o sofrimento, a obsessão e a perda de sentido da vida.

Mas não foi esse cunho existencialista o que me impressionou na época da leitura de “O Tunel”. Embora soubesse de antemão do grande elogio de Albert Camus ao livro de Sábato, desde a primeira página prenderam-me o modo narrativo propriamente dito e os recursos técnicos utilizados pelo Autor. Afinal, um romance cuja primeira frase é “Basta dizer que eu sou Juan Pablo Castel, o pintor que assassinou Maria Iribarne” não deixa de estabelecer com o leitor um pacto diferente porque, de antemão, parece desfazer-se o mistério da ação a ser narrada. Trata-se de uma história na qual o narrador é confiável e declara seu crime, mas que, ainda assim, o leitor é conduzido dentro de um labirinto que, em certos momentos, o leva a indagar se o crime realmente aconteceu. Talvez por isso o livro de Sábato tenha me impressionado mais pelo aspecto narrativo que pelo seu conteúdo profundo relacionado à obsessão e solidão. Para o leitor que fui à época da leitura de “O Túnel” o aspecto narrativo foi o que mais me atraiu no livro.

A Sábato aconteceu o mesmo que a Aldous Huxley que faleceu no mesmo dia em que John Kennedy foi assassinado, daí sua morte ter passado despercebida. Ernesto Sábato desaparece no momento em que as atenções estão voltadas para a morte do terrorista Osama bin Laden. Talvez, passado esse período, tenhamos novas resenhas e reedições dos livros de Sábato.

A boa e a má internet

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Acredito que, ao escrever “1984”, George Orwell tenha pensado em algo que não chegou a se formar completamente na cabeça dele, mas que bem poderia ser a internet. Convenhamos: existe melhor sistema de vigia que a rede mundial? Quando você usa o seu computador pessoal os acessos a sites carregam o IP do local de acesso. Caso seja a sua casa você poderá ser localizado; caso seja a empresa em que você trabalha o IP dela revelará o local de acesso. Assim, se você acha que tudo o que faz na internet é impessoal, cuidado.

Por outro lado hoje em dia é muito suspeito não ter internet. Veja-se o caso bin Laden: a inexistência de internet e telefone numa casa de luxo contribuiu para que ele fosse localizado e morto pelos soldados dos EUA.

A morte de bin  Laden colocou a internet em evidência nas últimas horas. Resumo aqui um pouco do que ouvi de vários comentaristas. Um deles afirmou que bin Laden não teria montado a sua rede de terrorismo sem a existência de internet. Bin Laden fez uso da internet para marketing pessoal, aparecendo bastante em vídeos com mensagens contrárias aos detentores de poder no ocidente. Até aí se tem a má internet, aquela usada para fins escusos e violentos. Quantos jovens sequiosos de vingança contra um mundo cheio de desigualdades tiveram nas imagens de bin Laden referência para suas revoltas.

Mas, os comentaristas também não se esquecem de citar os benefícios gerados pela boa internet. Em relação ao mundo árabe, hoje em grande pauta, tem sido bastante lembrado o fato de que a internet se constituiu em ferramenta poderosa para as revoltas que derrubaram governos ditatoriais e até então estáveis como, recentemente, aconteceu no Egito.

Não é o caso de se fazer aqui uma relação completa dos bons e maus usos da internet. Se diariamente recebemos mensagens estranhas - os tais e-mails que rapidamente deletamos  - o fato é que a internet nos integra ao mundo e torna possível a realização de inúmeras afazeres ligados ao nosso dia-a-dia. Só para citar um deles: não precisamos mais ir aos bancos para realizar algumas operações e só isso já é uma grande, para dizer a verdade uma enorme coisa.

Bem, ninguém quer ficar de fora. Crianças começam cedo e idosos se esforçam por aprender um pouco sobre computadores e internet. E não nos importa muito todo esse palavrório sobre benefícios e desvantagens da rede: já não ficamos sem ela que se tornou um terceiro braço do qual lançamos mão a todo o momento.

Escrito por Ayrton Marcondes

4 maio, 2011 às 11:32 am

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A euforia dos EUA

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Osama bin Laden está morto e sua morte coloca, finalmente, uma lápide sobre os acontecimentos daquele infausto 11 de setembro de 2001. Os longos anos de perseguição ao terrorista e as circunstâncias da invasão à mansão onde ele se escondia no Paquistão estão sendo, vagarosamente, esclarecidos pelo governo norte-americano. Por outro lado, o acontecimento desperta, em todo mundo, verdadeiro tsunami de comentários nem sempre concordantes. Aqui se discute o fato de que a verdadeira Justiça não foi feita em relação a bin Laden dado que o mais correto seria prendê-lo para posterior julgamento. Em outra parte fala-se sobre o que de fato representa a morte do grande terrorista de vez que seu discurso e métodos de ação não partem com ele. Há quem condene o fato do cadáver de Bin Laden ter sido jogado ao mar em desrespeito aos cuidados que os mulçumanos dedicam aos mortos. Entre tantos outros comentários destacam-se os que não descartam retaliações de terroristas aos EUA e ao Paquistão e mesmo os que não veem sentido algum nas comemorações do povo norte-americano que saiu às ruas após o anuncio da morte de Bin Laden. Para esses últimos não há o que comemorar: os EUA assassinaram friamente o terrorista, daí ser impossível endossar ato como esse ordenado por um governo.

Não é possível prever o futuro, mas é de se pensar na reação de um leitor das notícias de hoje, decorridos 80 anos do fato. Talvez então, o mundo tenha se tornado muito menor do que já é e ninguém consiga se esconder por tanto tempo, driblando os eficientes serviços de investigação de vários países. Ainda assim, torna-se possível imaginar que ao suposto leitor do futuro todo esse estardalhaço em relação à morte de Bin Laden careça de sentido. Afinal, por que os homens do passado empenharam-se tanto em relação ao desaparecimento de um criminoso? - poderá se perguntar o nosso futuro leitor.

Creio que, partindo desse raciocínio, o fato em si, a aprovação quase unânime da ação das forças dos EUA e as próprias comemorações possam ser explicadas, revelando-se o seu significado. Quase seria desnecessário dizer que os fatos envolvendo a personagem bin Laden têm a duração de dez anos. O terrorista tornou-se famoso no episódio de 11 de setembro e de lá para cá foi declarada a chamada “Guerra ao Terror” em nome da qual muitas barbaridades têm ocorrido. De certo modo a morte de bin Laden simula encerrar um grande capítulo nessa história de combate terrorismo. Momentaneamente, não importa o fato de que o terror não termina com a morte daquele que era conhecido como o Nº 1. Acrescente-se a isso a dor do povo norte- americano que, além de sofrer com a destruição de um de seus mais importantes ícones e a morte de cidadãos inocentes, desfruta, nesse exato momento, da sensação de vingança e justiça realizada. Não por acaso o The Washington Post estampou em sua primeira página a manchete “Justice has been done”, acompanhada do subtítulo: ”U.S. Forces kill Osama bin Laden”.

Ora, quase nada disso alcançará ao leitor do futuro que não assistiu às terríveis cenas dos choques de aviões contra as torres gêmeas no momento em que ocorreram. A emoção ligada aos fatos, infelizmente, não poderá alcançá-lo e sabe-se lá que impressão terá ele desse período da história do mundo.

Com esse arrazoado ouso discordar daqueles que condenam a momentânea euforia do povo norte-americano. Têm, lá, eles as suas razões para colocar para fora algo que estava entalado nas suas gargantas. A atitude crítica em relação à euforia mais parece à daquele leitor do futuro que ao qual faltarão os detalhes do calor da hora, do modo de ser de um povo no momento em que suas mais arraigadas convicções foram seriamente abaladas. Não é demais lembrarmo-nos de que o episódio de 11 de setembro serviu aos americanos do norte como revelação de algo que desconheciam, ou seja, do ódio a eles dedicado por outros povos pelas atitudes hegemônicas de seus governos, tantas vezes absurdas e, com terríveis consequências para os países periféricos.

Não sou americanófilo e não endosso assassinatos. Jamais acreditei em desfecho diferente para o caso bin Laden que, queira-se ou não, mais cedo ou mais tarde ia dar nisso. Confesso, entretanto, que diante da magnitude do ataque de 11 de setembro e das ações terroristas em todo o mundo não me vejo em situação de assumir posição crítica em relação à alegria que tomou conta do povo norte-americano nas últimas horas.

Depois da festa

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Agora que a festa passou não custa dar uma repensada nos acontecimentos dos últimos dias, envolvendo o casamento entre o príncipe e a plebeia. Não é o caso de dizer que a cor do sangue da noiva mudou, no altar, de vermelho para azul. Nem são muito recomendáveis os comentários sobre a beleza dela que, alguns, classificam como apenas “bonitinha”. E o melhor é deixar pra lá a opinião dos maquiadores locais, verde-amarelos, que acharam errada a linha adotada nos lábios dela – como se isso emperrasse a cerimônia. Ou que a noiva, por mais que se esforce, nunca terá o carisma da sogra, tragicamente morta num acidente de carro.

Tudo isso e muito mais se disse e, tudo bem, é aceitável.  O que não dá para engolir é a reação de parte da mídia – escrita e falada - que não perde o glorioso complexo de terceiro-mundismo. Sabe aquele olhar do pobre vendo a opulência do rico e condenando-a para dar remédio à própria sensação de culpa por não ser tão bem-nascido? Pois é, viu-se muito disso, aqui na aldeia, nesses últimos dias.

 A começar pelo questionamento da monarquia, aquela “droga de regime que não tem significado no mundo de hoje e só serve para manter um bando de desocupados gastando dinheiro público”. Nada de entender a simbologia do regime que, se para os nativos não tem significado, para a gente do outro lado do mundo tem e muito. Não é por acaso que países como o Canadá e a Austrália, independentes, cultuam a rainha e chegam a ter a face dela em moedas ainda em circulação. Nesse fato – que não me perdoem os críticos de plantão – evidencia-se um trágico desvio de ótica dos analistas que optam por ver o mundo segundo a terra que está sob os seus pés. Pois, acreditem, há mundo por aí afora, gente que pensa diferente, tem hábitos diferentes e até é capaz de se reunir aos milhares só para assistir a um aceno dos recém-casados, aceno breve, mas que traz a marca de séculos de tradição, coisa muito importante para eles.

O que se está a dizer é que não é preciso concordar ou apreciar a cerimônia de um casamento envolvendo um príncipe da Casa de Windsor, nem ser adepto da monarquia, nem gostar de ingleses para dar àquele povo o crédito e o direito de ser como é, com seus jeitos e manias. Também não tem sentido revirar as páginas da História para acusar os ingleses por seu imperialismo que tantos malefícios acarretou no passado das gentes latino-amricanas.  Gente de Deus, o que se está a ver é só o casamento de um príncipe, cercado do glamour que a situação exige. Então é deixá-los lá, no lugar deles, fazendo a festa do jeito deles, achando, sim, isso ou aquilo ruim, mas sem o ranço de nação complexada que tanto custa a ser deixado para trás.

E, pelo amor de Deus, que soem as trombetas para impedir esse papo de que o povo é avido por notícias sobre celebridades e assiste à cerimônia porque, no fundo, precisa de ilusão. Também não adianta ficar dizendo que aquela gente perfeita não é de verdade, só os tolos acham que sim, alimentando os seus sonhos e por aí afora.

Ô meu, quem não precisa de ilusão para enfrentar essa maratona de constrangimentos que é a rotina dos dias? Então, donos da verdade, deixem que o príncipe se case em paz, que milhões de pessoas tenham interesse sobre esse acontecimento. Critique-se, sim, o excesso de reportagens da televisão que não nos deu folga com essa história de casamento nos últimos dias. Mas, por favor, abandonem de vez a míope posição de críticos sempre prontos a apontar o dedo na direção daquilo que a eles parece despropositado.

Não curto a tradição e não acompanhei, pela televisão, o casamento de William e Kate. Mas li e ouvi o que se disse sobre o assunto. Estas notas nasceram dessas observações.