2009 novembro at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para novembro, 2009

“Viver a Vida”: ninguém merece

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Você teve um dia difícil, as coisas não estão fáceis. Pode ser que tenha ficado muito tempo parado no trânsito, no ponto de ônibus ou estar com problemas no seu emprego. De todo modo o dia acabou, logo estará em casa, no sofá gostoso da sala, comendo petiscos, ligado na sua novelinha preferida.

De repente termina o Jornal Nacional com o jeitão novo que deram a ele, que você não gostou muito, mas é só dar tempo, você acaba se acostumando.

É aí que entra a novela com aquela história da modelo que casou com um ricaço. Ele tem uma filha, também modelo, que sofreu um acidente previsível porque era muito feliz e rica, meio aloucada e tanta coisa boa junto tem que ser punida, se possível com uma grande, uma enorme desgraça.

Foi assim: era para ela entrar num carro, mas a outra modelo – a mulher do pai dela - não deixou. Aí ela entrou num ônibus, aconteceu o acidente que todo mundo esperava e veio pior, a paralisia.

Agora a moça até então feliz está num hospital, comendo o pão que o diabo amassou. As cenas são terríveis, o quadro é de recuperação impossível, a moça está condenada ao que há de pior nesse mundo, ela grita, chora, sofre, quer morrer: tudo isso entra na sua casa depois de um dia daqueles. Você pensa em mudar de canal, mas há algo nas tragédias que o atrai, talvez a força de um destino malvado que queremos ver para exorcizá-lo, para que de jeito nenhum aconteça com a gente ou com alguém a quem amamos.

Olhe, vou lhe dizer uma coisa: você não merece isso. Esse dramalhão sobre o sofrimento alheio, a exposição pública da dor dos outros com fins talvez, muito talvez, educativos, essa pressão sentimental que parece avisá-lo de que também pode acontecer com você, essa imposição de finitude à felicidade, tudo isso meu caro, é uma grande punição mercadológica que estão enfiando pela sua goela abaixo.

Olhe, você só está cansado dessa vida louca, mas você não é um simplório, não. Você é um cara que merece chegar em sua casa depois de um dia estafante e ver na televisão algo que o anime, que o ajude na dura travessia do dia-a-dia. Então você não pode deixar que um autor de novelas, por mais ótimo sujeito que ele seja, imponha a você um sacrifício de tal ordem. Dá até para pensar que o autor nunca entrou num pronto-socorro e viu de perto o que é receber a notícia de que seu filho está tetraplégico para sempre, que nada se pode fazer. Também não terá visto o rapaz que sofreu um acidente e está perguntando aos médicos o que houve com as suas pernas porque ele não sente nada da barriga para baixo.

Veja bem: toda essa miséria não foi feita para dramalhão de novela. Não foi não. Por isso, aceite a sugestão: mude de canal ou desligue a televisão. Você simplesmente não merece ver o que estão mostrando nessa tal “Viver a Vida”.

Escrito por Ayrton Marcondes

21 novembro, 2009 às 8:29 am

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Águas de março

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De vez em quando ouço “Águas de Março”. A gravação feita por Tom Jobim e Elis Regina é classificada por Leonard Feather, um dos mais renomados críticos de jazz, entre as dez melhores de todos os tempos.

Em “Águas de Março” Tom e Elis enfiam a mão no sagrado, sem a menor cerimônia. Eles simplesmente atravessam a fronteira do impossível e nos enviam as suas vozes de um oásis onde tudo é perfeito e absoluto. É de outra dimensão que nos acenam os dois artistas, atingindo o estado superior que o escritor Julio Cortázar traduziu em palavras:

“Se existe um dom divino no artista, esse dom não é a sua arte, conquista humana; esse dom é a entrega generosa que o artista faz de seu cosmos para que outros humanos possam se inclinar sobre ele, maravilhar-se e sentir-se um pouco acima do panorama cotidiano.”1

 Maravilhado: assim recebo a generosidade de Tom e Elis a cada vez que ouço “Águas de Março”.

1. Julio Cortázar, Papeles Inesperados. Editora Alfaguara, Buenos Aires, 2009.

Sobre as paixões

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Paixão é coisa absurda, há quem as entenda como anormalidade. Prefiro pensar: acontecem e pronto.

bombaO problema é que, durante a vigência do estado de paixão, as pessoas se comportam algo irracionalmente. Por isso, as paixões são perigosas e podem até ter fim imprevisto. O caso do rapaz que fez refém sua namorada, tempos atrás, emocionou a opinião e teve o fim trágico que todos conhecem.

Há nas histórias de paixões denominadores comuns e agravantes. Cada um tem direito ao governo da sua paixão conforme seu entendimento. Mas, trata-se de um governo frágil: de repente é a paixão a dominar o apaixonado, levando-o a agir irracionalmente.

Você pode até negar, mas é bem provável que já tenha vivido alguma paixão. Terá vivenciado aquele estado de euforia mesclada com desespero, a obsessão da posse, o receio agudo de ser traído, as noites mal dormidas, o prazer incomensurável dos contatos físicos, a noção de que tudo vale a pena se a alma não é pequena, como dizia Fernando Pessoa.

Pois!

Aconteceu a um rapaz dos seus trinta anos apaixonar-se por uma moça de dezoito. Paixão daquelas. E daí? Daí que o rapaz é casado e tem uma filha pequena. Mais que isso: é honesto. Tão honesto que não suportou viver a mentira em sua casa: desesperado, chamou a mulher e contou tudo a ela, tudinho, até mesmo que por respeito a ela ainda não consumara a junção carnal com a mocinha.

Confissão feita deu no que deu: a mulher pegou a filha e saiu de casa.

Uma noite mal dormida devolveu a serenidade ao rapaz. Na manhã seguinte ele acordou amando mais que nunca a própria mulher, companheira de tantas, etecétera e tal.

No que vai dar? Ora, ela voltar para casa, afinal existe a criança. Perdoá-lo? Assim, assim, meio que sim, meio que não, porque o fato terá se instalado para sempre entre eles.

As paixões são caprichosas, às vezes se intrometem na vida das pessoas apenas para desagregar. Parece até que se instalam pelo puro prazer de convulsionar tudo. Feito o estrago, vão embora e deixam as pessoas com as suas crises, olhando-se num espelho que lhes devolve imagens em geral desagradáveis.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 novembro, 2009 às 9:48 am

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A arte da mentira

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Há alguns meses meu filho que estuda na Austrália me ligou informando que sua “girlfriend” estava grávida. Não se preocupe, pai, disse-me ele na ocasião. Está tudo bem, veja pelo lado bom: além de gostar dela vou me casar e com isso terei direito à cidadania australiana.

Sabe como é: uma coisa dessas funciona como um petardo enviado por telefone, ainda mais quando o filho tem apenas 21 anos. Mas que dizer? Está feito, está feito e pronto, não é possível parar o tempo etc. Ele parecia feliz, ia ser pai e eu avô de uma criança australiana, pena que tão jovem, tão cedo, mas nem isso consegui dizer, afinal a vida tem dessas.

Depois que o felicitei - meio sem jeito e dizendo que o negócio é bola pra frente - essas coisas que dizemos quando as palavras falseiam e nos deixam embasbacados, ele começou a rir e disse:

- Pai é mentira. Hoje é primeiro de abril.

Ah, estivesse ele perto e levaria uma paulada na orelha. A partir daí a conversa mudou e me esqueci do fato até ler um artigo publicado pelo “El Pais”, em 15/11, cujo título é “Todos mentimos, o que muda é a dose”. No artigo é citado o livro “The Liar in Your Life” (O mentiroso na sua vida) de Robert Feldman, professor de psicologia na Universidade de Massachusetts, no qual o autor afirma que mentimos entre duas e três vezes em uma primeira conversa de dez minutos com um novo conhecido.

O artigo também afirma que mentimos porque há público. Acrescento que, em alguns casos, a mentira torna-se meio de autopromoção, sendo objetivo do mentiroso elevar-se diante do público que o cerca. Exemplifico: conheci um camarada que se dizia amigo íntimo do poeta Vinicius de Moraes a quem, tenho certeza, ele nunca viu. Por ocasião da morte do poeta o fulano apresentou-se consternado na empresa em que trabalhava. Ato contínuo, simulou um telefonema para a filha de Vinicius que, pelo visto, o atendeu prontamente. A conversa foi longa e em tom de voz suficiente alto para que todos os presentes ouvissem. Acontece que a linha telefônica por ele utilizada tinha uma extensão através da qual se podia ouvir o fulano falando, tendo como resposta o tradicional sinal de ocupado.

Entre os mentirosos muito me atraem os criativos. Numa época em que trabalhávamos numa empresa cujo horário de entrada era impreterivelmente sete da manhã, certo dia um colega de trabalho chegou atrasado e saiu-se com uma história interessante: ele acordou tarde, saiu depressa do sobrado onde morava e esqueceu os documentos. Nervoso, gritou para a mulher, que ainda dormia, para que jogasse os documentos pela janela do andar superior. A desgraça foi que, ao caírem, os documentos ficaram presos na fiação externa da linha telefônica. Imagine-se o desespero do meu colega de trabalho, correndo para arranjar algo longo, uma vara talvez, que permitisse a ele recuperar os seus documentos. Mas, o interessante é que ele acabou conseguindo, só que, desta vez, tornando-se vítima de outro incidente: enquanto recuperava os documentos, deixara aberta a porta do carro por onde entrou o seu enorme cachorro que se acomodou no banco traseiro. Imagine-se a dificuldade para tirar o cachorro do carro e, aí sim, sair às pressas para trabalhar num lugar onde, sabidamente, era obrigatório chegar pontualmente…

Mente-se para ser agradável, por amor, para ser educado, para safar-se de situações indesejáveis, para trair, para incriminar pessoas, pela mania de grandeza ou simplesmente pelo prazer de mentir. Inúmeras causas levam uma pessoa a mentir e para algumas delas a mentira torna-se um hábito. Nesse caso, mente-se indiscriminadamente tornando-se a mentira verdadeira muleta de apoio para os seus usuários.

A teoria da mentira é vasta podendo-se dividi-la em capítulos. Falar sobre ela partindo-se das generalidades para os temas específicos é obra de fôlego que deixamos por conta de especialistas. Vale lembrar, em vôo distante e jamais rasante, que uma mentira gera outras e as que envolvem muitas pessoas são as de maior risco para o impostor.

De todo modo existe algo que muito me impressiona em certas mentiras: acontece quando uma pessoa inventa uma versão sobre um fato que lhe foi desvantajoso e, à custa de repetição, passa a acreditar nele. Vi isso acontecer inúmeras vezes e suponho que essas pessoas, caso fossem submetidas a um detector de mentiras, não se revelariam mentirosas tal a sua convicção sobre a versão inventada. O mais interessante é que coisas assim acontecem também a pessoas que não têm na mentira um hábito: serviram-se dela num momento de pressão e transformaram em verdade absoluta uma versão favorável a si mesmas, ainda que em detrimento da verdade.

Ultimamente tenho pensado na mentira enquanto observo o cotidiano político do país. A minha curiosidade é aguçada toda vez que vem à baila o episódio do mensalão. Esse é um episódio em que uma das facções em oposição está mentindo e é preciso, em prol do interesse público, que se estabeleça a verdade.

A visita de Ahmadinejad

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Está para chegar ao Brasil, a convite do governo, o presidente do Irã. Ahmadinejad não tem, como se diz por aí, uma ficha boa: o homem comanda um país que vive às turras com a ONU em função de suas pesquisas direcionadas a tornar-se potência nuclear. As advertências da ONU e ameaças de retaliações por parte de outros países até o momento não têm abalado o governo iraniano que continua muito firme em seus propósitos.

Agora Ahmadinejad vem aí. Como sempre os brasileiros entregam-se aos seus afazeres e não estão dando muita bola para o assunto. Existem, sim, alguns projetos de protestos como a organização de uma exposição sobre o Holocausto no Congresso. Há, também, uma movimentação da comunidade judaica que se apressa em condenar o governo brasileiro por receber um homem que reconhecidamente pretende tirar Israel do mapa.

Entretanto, o maior problema em relação à visita do presidente iraniano é externo. Não nos damos muito conta disso, mas a verdade é que peritos em política internacional vislumbram, já há algum tempo, planos  de ação iranianos  para a região sul-americana. O fato é preocupante ainda mais se considerando as ligações entre Cháves e Ahmadinejad. Dadas as tantas vezes inexplicáveis ligações entre Chaves e Lula não será demais ponderar sobre a influência do presidente venezuelano em relação à visita de Ahmadinejad ao Brasil.

O Brasil está dando um passo que é reprovado por vários países, principalmente os seus vizinhos, fato que poderá acarretar prejuízos ao país em relação à pretensão de efetivamente liderar a região.

Evidentemente, as vozes mais altas que se opõe à visita de Ahmadinejad são as de descendentes israelistas. Em particular a grande colônia israelita da Argentina vem protestando por ter em Ahmadinejad o responsável pelos atentados terroristas contra a Embaixada de Israel, em Buenos Aires, anos atrás. Além disso, não se perdoa ao presidente iraniano o fato de negar a existência do Holocausto e ter nomeado ministro de seu governo uma pessoa procurada pela justiça argentina.

Não só na Argentina há protestos: o mesmo acontece no Perú, no Equador e em outros países.

A pergunta é: em se tratando da relação custo/benefício o que lucra o Brasil com a visita de Ahmadinejad? É bom ter em mente o projeto de liderança natural do Brasil na região e as dificuldades vivenciadas pelo Mercosul.

Até agora o governo não explicitou com clareza as vantagens comerciais que obterá tratando diretamente com o presidente iraniano. Note-se que não se está falando do Irã, mas de seu atual presidente que corre por fora na questão nuclear e, segundo se diz, estimula o ódio racial.

Por fim é preciso prestar atenção ao que se diz por aí: onde Ahmadinejad vai, lá vai encrenca.

Tango

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tangoQuase dez da noite de domingo e não se encontram táxis nas ruas de Buenos Aires porque o Boca está jogando e os condutores estão em casa vendo o jogo pela televisão. Para todo lado o que se ouve é Boca, Boca, Booocaaa. Os argentinos são apaixonados por futebol tanto quanto os brasileiros. O principal jornal esportivo, o “Olé”, ainda não perdeu a mania de dar pauladas nos brasileiros embora - fazendo justiça a eles - reconheçam a força e o valor dos adversários. Há na Argentina o respeito pela arte, daí que os grandes jogadores são considerados independentemente das suas nacionalidades.

Na porta do Café Tortoni, o mais antigo da cidade, está a fila de sempre, com pessoas esperando a vez para entrar. O Tortoni é um espaço emblemático frequentado no passado por Carlos Gardel, Luigi Pirandello, Federico García Lorca e Artur Rubinstein entre outros artistas, Os que vêm para o espetáculo de tango não precisam entrar na fila, basta apresentar o ingresso comprado com antecedência para que um rapaz os acompanhe até a sala Alfonsina Storni.

São pouco mais de dez da noite quando o maestro Jorge Rattoni entra no palco com o seu quarteto e abre a noite com um tango de Gardel. A coreografia do espetáculo difere de outros shows de tango mais estilizados e com a participação de vários dançarinos. Aqui a trupe se reduz a um casal que, de vez em quando, vem ao palco para dançar enquanto o quarteto executa um de seus números.

A temperatura musical esquenta depressa com a sucessão de tangos conhecidos, executados em estilo puro e original. Rattoni esmera-se ao piano impondo o ritmo que é seguido pelos instrumentistas do bandoneon, do baixo e do violino. Depois de três números do quarteto, finalmente aparece o “cantante”, com sua poderosa voz interpretando músicas como “Por uma cabeza”.

O grande momento do espetáculo é reservado para a execução de “Adiós Nonino” de Astor Piazzola. É quando o bandoneón cresce em sua execução trazendo ao público imagens ligadas à perda do pai que levou  Piazzola a compor a música. Ao final de “Adiós Nonino” o público aplaude longamente e Rattoni agradece em nome do grupo.

O show dura pouco mais de uma hora. Quando termina fica a sensação de que deveria continuar, ainda que só um pouco mais.

No fim, Rattoni está perto do balcão, junto à entrada da sala Alfonsina. É um homem de estatura média, cabelos e barba muito brancos, que transpira bondade. Aproximo-me dele e pergunto sobre a sua formação clássica. Ele me diz que de fato a sua formação é clássica, mas que derivou para o tango, sua paixão. Falamos sobre música e ele me diz que gosta muito da brasileira. Pergunto a ele se toca em outros lugares. Ele sorri dizendo que há treze anos apresenta-se exclusivamente na sala Alfonsina do Café Tortoni. Gosta de sala pequena, intimista e rica em histórias ligadas ao tango.

A conversa termina quando um homem traz um CD para Rattoni autografar. Despedimo-nos com um abraço e sinto que levarei um pouco de tango na mala de viagem em meu retorno ao Brasil.

Findo o espetáculo, encontro a Avenida de Mayo praticamente vazia. Na porta do Tortoni há táxis esperando por fregueses. O jogo da Boca terminou e os táxis voltaram às ruas. O mundo parece normal quando passo perto do Obelisco, lembrando-me da execução de “La Cumparsita” e de meus pais dançando na sala de nossa antiga casa, eles que amavam tanto o tango, tão bonitos dançando, dançando eternamente.

A imagem do Brasil

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O jornal “La Nation” de Buenos Aires dedicou ao Brasil a sua revista dominical com o título “Ecos de Brasil”. Uma matéria assinada pelo economista Lucas Llach intitulada “No somos o Brasil” destacou o progresso do país e estimulou a reflexão dos leitores argentinos que, dias depois, escreveram ao “La Nation”.

Não deixa de ser interessante a opinião dos leitores argentinos que, em linhas gerais, enfatizam comparações entre os doIs países com evidente reprovação ao que atualmente acontece na Argentina.  Uma médica geneticista aponta o fato de no Brasil existir um grande desenvolvimento científico, investigando-se com tecnologia de primeira linha e em alto nível. Segundo ela isso acontece porque durante décadas o Brasil enviou cientistas para se formarem no exterior. O estímulo dado a cientistas brasileiros era bem maior que o oferecido aos cientistas argentinos. Ela termina dizendo que na Argentina o progresso científico está parado, não sendo produzidos trabalhos de alto nível, exceto quando realizados em colaboração com centros mais adiantados.

Outro leitor sugeriu mudança no título “No somos o Brasil” para “No somos o Brasil, por suerte”, acrescentando ser “por suerte do Brasil”. Segundo o leitor, os brasileiros durante décadas trabalharam e continuam trabalhando pela prosperidade do Brasil enquanto que os argentinos tentam implodir o seu próprio país. “Os brasileiros enfrentam os seus problemas e os superam; os argentinos criam mais problemas do que deveriam”, assim termina o leitor.

Uma terceira leitora elogia o Brasil por sustentar políticas de Estado por longo prazo. Isso, segundo ela, demonstra maturidade política e institucional que falta à Argentina. Acrescenta: temos muito a aprender com eles.

Não se pode negar que a imagem de carnaval, mulheres seminuas rebolando e samba, muito samba, vai sendo substituída pela de um país sério que trabalha e se desenvolve.

É obvio que as opiniões dos leitores, emitidas à distância e à margem da realidade interna do Brasil, não são totalmente apropriadas ao que vemos em nosso dia-a-dia. Mas dá certo orgulho observar que outros povos já não nos olham com o costumeiro descaso, quando não ares de superioridade.

O Brasil cresce, sua economia atravessou bem a crise econômica mundial. É bom lembrar que trata-se do resultado de um esforço coletivo e não de proprietários de última hora que se arrogam detentores de todo o progresso verificado no país nas últimas décadas.

A visita de Shimon Peres

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Shimon Peres, prêmio Nobel da paz em 1994 e atual presidente de Israel, veio ao Brasil e criticou a próxima visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. A visita de Perez foi a primeira de um chefe de Estado israelense ao país em 40 anos.

O povo palestino de São Paulo protestou contra a visita de Peres a quem alcunhou de “Senhor da Guerra”.

Hoje, domingo, Shimon Peres chega à Argentina, país onde vive uma colônia israelense de cerca de 300.000 pessoas. Em protesto contra a sua visita, organizações árabes, partidos de esquerda e movimentos sociais convocaram para segunda-feira uma marcha de repúdio. A passeata sairia da frente do Congresso argentino e chegaria até a Embaixada de Israel.

O que chama a atenção em Buenos Aires é que, à diferença do que ocorre no Brasil, a reação pública a acontecimentos políticos é via de regra mais intensa e não acompanhada do costumeiro desinteresse do povo por assuntos dessa natureza.

Quem anda pelas ruas de Buenos Aires neste domingo encontra vários cartazes colados em pontos de ônibus e nas proximidades das bancas de jornal. São cartazes de organizações palestinas e muçulmanas com dizeres violentos contra a chegada de Peres.  “Shimon Peres – Prêmio Nobel de La Muerte” é um cartaz que acusa Peres por transformar Israel em potência nuclear, responsabiliza-o por massacres e acusa-o de ser terrorista.

O cartaz está nas grandes avenidas como a Corrientes, a de Mayo, a Córdoba e outras. Para os brasileiros, desacostumados a críticas públicas tão virulentas, o cartaz é muito impactante. Mas é assim na Argentina, faz parte do temperamento local: as críticas não usam meias tintas e talvez seja melhor assim em termos de apelos públicos, favoráveis ou não àquilo que se acusa e critica.

O poder das intempéries

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Para desespero do governo o apagão teima em não sair dos noticiários. O falatório é grande: técnicos apressam versões sobre o incidente e até se contradizem. Como o governo atribuiu o apagão às intempéries tornou-se necessário comprovar a intensidade das chuvas em determinada região e, mais que isso, a incidência de raios na fatídica noite em que milhões de pessoas ficaram sem luz.

O INPE deu-se ao desfrute de produzir informações contraditórias. Primeiro os técnicos informaram sobre poucos raios e talvez uma tempestadezinha tropical na região onde se deu o corte da energia. Quando o governo forçou a mão, defendendo-se, o INPE voltou atrás: talvez a intempérie regional tenha sido mais forte e blá, blá, blá.

Como a ex-ministra das Minas e Energia é pré-candidata à presidência da República e atualmente está à frente da Casa Civil, os governistas trataram de blindá-la. Foi aí que o presidente Lula interferiu dizendo que “Freud afirmou que existem certas coisas que a humanidade jamais controlará: uma delas são as intempéries”.

Depois disso o presidente saiu-se com uma curiosa explicação sobre as intempéries, poluição, etc: tudo acontece porque a Terra é redonda; se é redonda gira; se gira, passamos sempre pelo mesmo lugar; fosse a Terra plana… e por aí foi.

Estranhei que os jornais da manhã e mesmo o noticiário da Internet nas primeiras horas do dia não fizessem referências ao pronunciamento do presidente. Como se diz por aí, ele estava tirando o bracinho da seringa, atribuindo, com direito à teoria e tudo, a culpa pelo apagão a fatores climáticos sobre os quais a humanidade não tem qualquer controle.

Eu? Ora dizer que me senti um idiota é repetitivo. Nessas horas me pergunto para que diabos me fizeram estudar aquelas chatices de geografia que, no fundo, parecem não servir para nada. O mesmo digo em relação a Freud e só não meto a boca naquele professor de psicanálise que me fez ler “Totem e Tabu” e “A Interpretação dos Sonhos” porque ele já morreu e bater em defunto pega mal.

Daí que o melhor é ficar aqui pensando no que aconteceu ao mundo e porque tudo deu no que deu. Digo isso com algum desconsolo e ciente da fragilidade do conhecimento que, vida afora, adquirimos a tão duras penas.

Mas deixa prá lá; Freud explica.

Água Benta

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Leitor inveterado de histórias de vampiros nunca concordei com as divergência entre escritores, roteiristas e cineastas sobre os poderes e fraquezas desses seres. Os vampiros são muito fortes, capazes de voar, transformam-se em morcegos, só se alimentam de sangue, não suportam a luz do sol, temem espelhos, são repelidos por crucifixos e alho, para serem mortos é preciso que sejam fincadas estacas de madeira em seus corações. Já a água benta os queima, daí fugirem dela.

Nem todos são assim, dependendo do autor. O romance “Drácula” de Bram Stoker inspirou duas filmagens de “Nosferatu”, o vampiro. A primeira delas é um clássico do cinema mudo, dirigido por F. W. Murnau, em 1922. A refilmagem foi realizada, em 1979, pelo diretor Werner Herzog e recebeu o nome de “Nosferatu, o vampiro da noite”. Quem não viu o filme de Herzog e gosta de histórias de vampiros deve assistir. Trata-se de um grande filme. O Conde Drácula, estrelado pelo ator Klauss Kinski, é uma das versões mais atemorizantes de vampiros no cinema.

Na grande galeria de representações de vampiros alguns atores se destacam entre eles os sempre citados Bela Lugosi e Christopher Lee. As histórias têm sempre o mesmo tom, variando os perfis dos vampiros quanto a um ou outro aspecto: há vampiros que não temem crucifixos enquanto outros andam por aí durante o dia, nem todos são obrigados a dormir em caixões e assim por diante.

O importante é notar que as histórias sobre vampiros têm público cativo e continuam na moda. Recentemente foi lançado o filme “Crepúsculo” que agora está sendo exibido em canais da TV paga. Trata-se de uma comunidade de vampiros boa gente, vegetarianos por assim dizer dado que só se alimentam do sangue de animais, nunca de sangue humano. Um deles, um rapaz que escapou da morte pela gripe espanhola em 1918, tornou-se vampiro e apaixona-se por uma colega de escola. O filme tem a vantagem de não apelar para clichês como sustos, cenas escuras etc. Mostra-se o lado “humano” dos vampiros, sua bondade comedida porque limítrofe com a contida natureza predadora e selvagem de cada um deles.

Vampiros em crise existencial, estranhos num mundo em que são minoria, esse é o assunto predominante em “Crepúsculo”, filme baseado em romance de sucesso que no momento está em evidência no setor de best-sellers das livrarias.

Mas, foi a água benta que me levou a falar sobre vampiros. Quando menino eu lia histórias de terror e temia vampiros, daí ter sempre na janela do meu quarto uns dentes de alho e trazer comigo um pouco de água benta roubada à igreja. Eram tempos em que todo mundo punha a mão nos receptáculos de água benta, situados nas entradas das igrejas, sem temer contaminação por vírus e outros microrganismos. Tempos diferentes dos atuais, mormente depois da pandemia causada pelo vírus H1N1 que, entre outras, propiciou bons negócios aos vendedores de álcool gel.

morcegoPois, foi por se preocupar com a contaminação através dos receptáculos onde se armazena a líquido sagrado que um italiano inventou um “dosador eletrônico de água benta”. Com ele os fiéis podem, a partir de agora, manter a tradição sem correr o risco de contrair a gripe suína.

A engenhoca funciona assim: o fiel movimenta a mão sob um sensor e a máquina espirra água benta. Tudo muito limpo e saudável, mas complicado para meninos que queiram encher vidrinhos com a água santa para se protegerem contra o ataque de vampiros.

Creio que o inventor italiano não atentou para essa dificuldade dos meninos. Vou escrever para ele, afinal os meninos italianos não podem ficar à mercê dos vampiros que andam por aí, esperando oportunidades para fazer novas vítimas.