2009 julho at Blog Ayrton Marcondes

Arquivo para julho, 2009

De prisões e labirintos

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labirintoVocê leu os jornais dos últimos três dias? Caso tenha lido ficou sabendo sobre aquele marinheiro que participou da luta armada contra o regime militar, em 1964. Ele esteve metido nuns assaltos a banco, segundo se diz tudo por ideologia e nada de banditismo. Foi preso, torturado, conseguiu sair da cadeia, arranjou documentos falsos e se mandou para a Inglaterra onde vive até hoje.

Até aí uma história como tantas outras envolvendo extremistas, gente de sangue quente. Pois o marinheiro manteve o nome falso até há cerca de um ano quando resolveu assumir a sua verdadeira identidade: saudades do Brasil. Mas o caso é que nesses quarenta e poucos anos ele esteve escondido, trabalhando é verdade, mas certo de que existiam pessoas em seu encalço daí poder ser preso a qualquer momento.

Agora o marinheiro está velho e quer voltar ao Brasil. O problema é que ele não acredita que as coisas mudaram um pouco por aqui, tem até gente que foi presa pela ditadura recebendo uma boa grana de indenização. Nisso ele não acredita mesmo, de jeito nenhum. E tem certeza de que chegando aqui será imediatamente preso no aeroporto.

As pessoas que conhecem o marinheiro afirmam tratar-se de um curioso caso de homem que parou no tempo e dentro de certa circunstância. Nada aconteceu de verdade a esse homem desde que saiu do Brasil: ele ficou empedrado na irracionalidade do tempo estático e das condições imutáveis. Comparam-no ao tal sargento japonês que ficou escondido numa floresta depois da Segunda Guerra esperando o conflito acabar. Quando foi encontrado haviam se passado 28 anos desde o fim da guerra.

O caso do marinheiro me leva a pensar sobre a natureza das prisões. Existem celas sem paredes, às vezes limitadas apenas pelas fronteiras de países. O marinheiro sobre quem falamos esteve preso na Inglaterra nos últimos quarenta anos. Pagou com juros e correção a sua audácia.  Nenhum presídio brasileiro será suficiente para abrigar a enormidade do infortúnio de um homem que na verdade morreu em 1964, mas continua andando por aí, recluso ao seu labirinto mental.

Labirintos estão entre os temas prediletos do escritor Jorge Luis Borges. No livro “O Aleph” ele nos fala, em “Os dois reis e os dois labirintos”, sobre formas diferentes de perder-se em labirintos, muitas vezes sem saída. Num desses, sem portas e paredes, o marinheiro que fugiu do Brasil perdeu-se para sempre.

O aniversário do Tubarão

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Se você não gosta de sedutores, não leia. Pois que fique bem claro: o Tubarão é um sedutor. Bonitão, bem de vida, conta-se que enlouquece as mulheres que se apaixonam por ele. O cara é o rei dos galanteios, discreto, se exagerarmos até mesmo um profissional do ramo. Mas é preciso dizer: o Tubarão não é vulgar e nesse aspecto reside a sua força. Como aquele seu sósia das águas: agressivo, mas contido na abordagem a ponto de que não se perceba a sua agressividade. Ele não se move: desliza. Distribui sorrisos, encanta, determina como tudo será e o coro da mulherada reza com ele numa sequência interminável de améns. Só depois desse ritual é que ele se revela em sua essência e aí, meu caro, babau.

O Tubarão é um sujeito mais que querido. O aniversário desse corintiano nato e de raça não foi uma festa: foi um momento de reorganização das bases porque amores distintos e de épocas diferentes vieram rever o grande rei. Era de se ver o sedutor no meio delas: insinuante, gestos estudados, guelras em ebulição como deve ser com um bom tubarão.

E não é que ninguém brigou ou discutiu? A vida ensina que nas altas águas do grande mar das emoções cada peixe tem o seu lugar e hora de ser acolhido pelo longo abraço do Tubarão. Enfim, tudo é possível quando o Tubarão decide dar uma festa. Não existe ciúme, namoradas e ex-namoradas entendem-se às mil maravilhas porque ele, o senhor, assim determinou.

Houve um momento, um só momento, em que o Tubarão titubeou: estava ele entre a loura e a morena com quem atravessaria o restante da madrugada. Nessa hora ele despiu-se do manto de rei dos mares e bares e perguntou a uma amiga – a que me contou essa história – se uma ou outra pretendida teria percebido a sua indecisão.

Não foi possível saber o que aconteceu no final. Há quem diga que saiu com as duas, afinal ele é o Tubarão. Mas o que rolou foi que até os homens estavam estarrecidos com o poder e a dominação do rapaz. Houve homem que o elegeu – em público – como o seu ídolo.

E a madrugada correu, as águas rolaram e os oceanos se calaram sobre os feitos do Tubarão naquela noite. Segundo se diz o Tubarão atingiu o invejável patamar de ser aceito segundo as suas condições. Seu aniversário foi um desses grandes acontecimentos sobre os quais a megalópole de São Paulo não toma conhecimento, assim como olvida a existência de tantas confrarias. Isso digo porque o Tubarão é na verdade o guru de uma opção de vida, talvez apóstolo de uma variante de entendimento que rola por aí,nas madrugadas, sem previsão de dia seguinte.

E assim segue a vida do Tubarão, como aquele Grenouille, a personagem do romance “O Perfume” de Patrick Süskind. Grenouille que aprisiona os odores humanos e leva o povo a se entregar aos mais explícitos gestos de amor, sem pudor algum.

Feliz aniversário, bendito e maldito Tubarão que provoca inveja a tanta gente.

PS: esta história me foi contada com uma graça impossível de repetir.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 julho, 2009 às 11:03 am

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A contracultura: Woodstock faz 40 anos

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Não adianta: se você ainda não viu, tem que ver: o ator James Dean em filmes como “Vidas Amargas” e “Juventude Transviada”. Dean está simplesmente deeemais com suas jaquetas de couro e motocicletas velozes, enfim o típico rebelde sem causa (aliás, o título original do filme “Juventude Transviada” é justamente “Rebel without a cause”.

Eram os anos 50, estava-se no imediato do pós-guerra e começava a nascer uma cultura marginal muito bem representada nos Estados Unidos pela Geração Beat (Beat Generation). Os beatnicks eram jovens intelectuais que criticavam o otimismo, o consumismo generalizado e o anticomunismo defendido às últimas conseqüências pelo senador Joseph Mccarthy que promoveu a “Caça às Bruxas” (uma recente visão sobre o macartismo encontra-se num filme de 2005: “Boa noite e boa sorte” dirigido por George Clooney).

À Geração Beat pertencem nomes proeminentes da literatura norte-americana, entre eles Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Ginsberg é autor de um grande poema denominado “Uivo” (Howl). Segundo o poeta William Carlos Willians, “Uivo” só pode ser escrito depois de Ginsberg ter atravessado o inferno. Kerouack é autor do fantástico “On the Road” um livro impressionante que, se você ainda não leu, está mais que na hora de ler.

As manifestações dos anos 50 estabeleceram bases para o surgimento de um novo modo de ser e pensar, comportamento libertário que se estenderia à geração de jovens rebelados contra os padrões da classe média. Esse novo comportamento, conhecido como contracultura ou cultura marginal, manifestava-se através de roupas coloridas, cabelos compridos, novos ritmos musicais, uso de drogas e atração pelo misticismo. Tratava-se do rompimento ideológico com o establishment.

Os anos 60 revelaram-se como o apogeu da contracultura, marcados que foram pela rebeldia da juventude em vários países. O movimento hippie e o rock fizeram parte de uma grande manifestação, certamente anárquica, que nos dizeres de críticos da época visava romper com as regras do jogo.

Principalmente na segunda metade dos anos 60 aconteceram grandes festivais de música da contracultura, um deles o de Woodstock que agora completa 40 anos desde a sua incrível realização. O fato é que ninguém ficou imune a Woodstock e ainda hoje se fala sobre o assunto com algum espanto. Sobre esse festival existe um filme “Woodstock – onde tudo começou” que mostra a reunião de meio milhão de jovens numa fazenda para assistir a um festival de música do qual participaram Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Santana, Joan Baes, The Who e Joe Cocker, entre outros.

Frequentemente fala-se sobre a “Nação de Woodstock” formada pela reunião de várias tribos hippies que se comportaram pacificamente durante o festival, podendo comprar drogas livremente e agir cada um a seu modo dentro de um clima de paz e tranquilidade.

Woodstok teve implicações profundas na vida norte-americana estimulando reações contra a Guerra do Vietnã e acaloradas discussões sobre os direitos civis e a segregação racial.

São passados 40 anos desde que se ouviu falar sobre um grande festival alternativo iniciado no dia 15 de agosto de 1969. Nada mais seria igual após Woodstock: os “três dias de paz, amor e música” deram o que pensar e abalaram o mundo.

Paz e amor!

Da Presidência do Senado para você

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Manchetes do Jornal “Folha de São Paulo” de sexta-feira, 17 de julho:

Página A1: “Diálogos indicam tráfico de influência de filho de Sarney”.

Página A2: “É puro deboche” – artigo de Clóvis Rossi referindo-se às manobras em favor de um mandato mais longo ao tempo de Sarney na presidência da República; “Ultima sessão” – artigo de Fernando Gabeira referindo-se ao comportamento de Sarney no Senado.

Página A4: “Diálogos mostram ação de filho de Sarney na Eletrobrás”; “Nora de Senador e funcionária são indiciadas pela PF”.

Pg A6: “Sarney aposta em recesso e CPI para sair da berlinda”.

Pg A7: “Atos beneficiaram membros de conselho” – referindo-se a quatro dos senadores do órgão que julgará Sarney.

ATENÇÃO: tudo isso num só dia e num só jornal.

E mais: no mesmo dia, na página A2, no mesmo jornal, é publicada a coluna semanal escrita por José Sarney. Título: “Guerra Virtual”. O assunto? Não, não se trata de política. Sarney escreve sobre os mais recentes avanços tecnológicos atualmente disponíveis e dá ênfase à guerra entre a Microsoft e o Google em torno de sistemas operacionais de computadores. Termina dizendo:

“Agora estou com medo dos livros. Querem que eles saiam do papel para a telinha. Estão surgindo pra ler livros e jornais aparelhos como o Kindle, da Amazon, a maior livraria do mundo. Mas eu ainda continuarei com os meus velhos amigos, aprendendo sobre tudo isso nos jornais e nos livros de papel. E aos vencedores as batatas”.

Não sei se o meu espanto é justificado, mas me pergunto: como alguém ligado a constantes denúncias divulgadas pela mídia tem tempo e atenção para a competição entre duas empresas de software? Não é que o espaço de que dispõe o senador num dos jornais de maior circulação no país poderia lhe servir para algumas explicações sobre tudo o que é dito a seu respeito? 

Já que se aprende lendo jornais – como diz o senador articulista - a lição de hoje fica por conta da tecnologia (você torce pra a Microsoft ou para o Google?) e de uma coisa chamada “tanto faz”. E a frase final está errada, não deve ser a machadiana “aos vencedores as batatas. Deveria ser:

- Ao público as batatas.

Anjos e Demônios

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Até que dá para entender a revolta do Vaticano recomendando boicote ao filme “Anjos e Demônios”. Afinal o tema do filme é a morte de um papa e o sequestro de quatro cardeais potencialmente aptos a substituí-los, os “preferiti”. Por trás da ação criminosa, uma seita desaparecida há 400 anos, os “Illuminati”.  O filme expõe intrigas e conflitos de interesses dentro do Vaticano, banaliza o conclave ao mostrar os interesses de seus participantes enquanto, na Praça de São Pedro, milhares de pessoas esperam pela fumaça branca cujo significado é a eleição de um novo papa.

Desde logo se estabelece uma dicotomia que pretende colocar a Igreja em situação desfavorável ante a opinião. Acontece que a seita Illuminati formou-se em função da perseguição dos homens de ciência pela Igreja em séculos passados. Trata-se, portanto, de uma vingança dos Illuminati que, para isso, roubam de cientistas uma porção de antimatéria com a qual pretendem destruir o Vaticano. Como se vê, entra em jogo um quadro bastante atual representado pela condenação da Igreja a certos avanços científicos como, por exemplo, a utilização de células-tronco.

Para sair da situação em que está o Vaticano recorre a um professor de simbologia, Robert Langdon (Tom Hanks). Serão ele e uma cientista que participou do projeto de produção da antimatéria, Victoria Vetra (Ayelet Zurer), que empreenderão uma louca corrida entre as igrejas de Roma, atrás dos cardeais seqüestrados e da antimatéria que poderá destruir o Vaticano.

Pelo jeito a Igreja terá levado demais a sério uma produção demasiado ficcional, que em muitos pontos deixa a desejar. A busca dos Illuminati, as ações de Langdon que os persegue através da interpretação de símbolos que encontra são cansativas e só ganham verdadeiro ritmo na parte final do filme quando as coisas se resolvem. Além disso, os espectadores só tomam contato com os Illuminati através de um único personagem, espécie de herói às avessas a quem pertence toda a ação criminosa em nome da ciência. Não deixa de ser impressionante como o destino dos cardeais e do próprio Vaticano ficam nas mãos de um só homem, capaz de roubar a antimatéria, sequestrar e matar cardeais e eliminar os inúmeros policiais que encontra em seu caminho.

“Anjos e Demônios” é um filme baseado no livro de mesmo nome do escritor “Dan Brown”. O filme utiliza a técnica da narrativa não fidedigna, aquela que engana o espectador. De fato, a todo tempo somos levados a suspeitar de pessoas diferentes sem que nos sejam fornecidos dados suficientes para um melhor ajuizamento a respeito das personagens. Estabelece-se, assim, verdadeira reviravolta entre as personagens do “bem” e do “mal”. Somos iludidos sobre ações aparentemente do bem, que chegam a nos atingir emocionalmente, para que em seguida sejam esclarecidos seus intuitos degradantes.

Por fim, não deixa de ser curioso que a Igreja chame para salvá-la justamente um professor que diz não acreditar em Deus e não ter religião. Essa postura Robert Langdon mantém até o final, quando o carmelengo (auxiliar do papa) o caracteriza como um enviado de Deus. Langdon nega, mas isso não importa: nem sempre os caminhos de Deus são inteligíveis aos homens.

Escrito por Ayrton Marcondes

17 julho, 2009 às 8:32 am

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Livros emprestados

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livros2Não existe praga maior que a de não ter como negar o empréstimo de um livro a um amigo. O perigo começa quando o amigo que nos visita aproxima-se dos nossos livros. Ele observa os títulos na estante e, de repente, identifica uma obra interessante, talvez justamente aquela esgotada há alguns anos e que ele afirma estar procurando em sebos.

É com alegria que o amigo pega o livro e nos pergunta como o conseguimos, há quanto tempo o possuímos, que achamos de seu conteúdo e assim por diante. O final da conversa é o previsto, ele vai levar o livro para ler e devolverá logo, pois também não gostaria de se apartar de uma obra como aquela, mais que ninguém ele entende que livros não devem ser emprestados, excetuando-se casos excepcionais como justamente este ligado ao livro que ele agora tem nas mãos.

Você é o dono do livro e tem perfeita noção de que ele não é tão raro assim, com um pouco de esforço pode-se consegui-lo por aí. Por um momento se pergunta por que cedeu às exigências da sua mulher que não quis, de jeito nenhum, estantes com portas fechadas à chave. Mas de nada adianta lamentar-se, o livro já está com aquele verdadeiro explorador que é o seu amigo, um cara que garimpa obras na biblioteca dos outros, um atravessador, contrabandista de obras que não lhe pertencem, um sujeito que não merece consideração, pena que você não tenha coragem de dizer tudo isso e muito mais a ele.

É assim que o amigo se despede - uma das mãos apertando a sua, a outra segurando o livro - e sai pela porta sorrindo, levando aquele livro de que você gosta tanto e que talvez nunca mais retorne. Claro que daqui a um mês você vai cobrá-lo, pedirá o livro de volta; ele alegará que ainda não terminou de ler e o empréstimo poderá durar indefinidamente. Poderá até mesmo acontecer a pior entre as piores situações, talvez maior que a não devolução, que é o fato do livro voltar todo riscado, cheio de anotações estúpidas, inviabilizado para futuras leituras porque toda vez que você olhar para ele lá estarão os grifos insultuosos que o farão se lembrar do amigo e mais uma vez ter raiva dele.

Entretanto, existem pessoas que acreditam possuírem os livros poderes mágicos, o maior deles o de retornarem ao local de onde foram retirados como se entre eles e os seus proprietários houvesse algum tipo de vínculo. Caso isso seja verdade, é de se imaginar uma imensa população de livros desgarrados de seus proprietários originais, circulando por trilhas desconhecidas e enfrentando toda sorte de vicissitudes, até caírem outra vez nas mãos daqueles que primeiro os adquiriram.

Bem, simplesmente não é possível acreditar nessa história de livros atrás de seus donos embora eu mesmo tenha encontrado em um sebo, anos depois, um livro que me pertenceu e que foi levado por empréstimo por um desses tais amigos caras-de-pau. Nesse caso, a raiva foi ainda maior porque não só o cidadão levou o livro como não ficou com ele, passando-o para frente até que pude reencontrá-lo em meio a uma pilha de revistas velhas, capa suja e desbotada, mas com a minha assinatura no interior da contracapa. Era, sim, o meu pobre livrinho.

Existem outros casos de retorno de livros. Notícia divulgada ontem pela BBC Brasil dá-nos conta de que um britânico devolveu à biblioteca da cidade inglesa de Derby um livro que havia emprestado dela. A notícia seria normal se entre a data do empréstimo e a da devolução não tivessem decorrido apenas 46 anos. Na época do empréstimo o cidadão britânico tinha 10 anos de idade e pegou o livro para seu pai. Anos depois, após a morte do pai, encontrou o livro num sótão. A devolução ocorrida dias atrás foi possível porque a biblioteca de Derby anistiou as dívidas relativas a empréstimos atrasados. Foi assim que o cidadão britânico pode devolver o livro sem pagar multa, isso após ter-se passado um tempinho de 46 anos.

Embora esse curioso caso acontecido em Derby labore em favor da teoria do retorno dos livros, o melhor mesmo é tomar cuidado. O uso de estantes fechadas associado a chaves que desaparecem misteriosamente por ocasião de visitas pode prevenir situações indesejáveis. Há também quem recomende o uso de cães perigosos, acorrentados junto às estantes, toda vez que somos visitados por um amigo que gosta de livros e costuma pedi-los por empréstimo.

Guerra é guerra, vale tudo para se evitar o empréstimo de livros a amigos.

Escrito por Ayrton Marcondes

16 julho, 2009 às 8:41 am

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O Dia do Homem

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Hoje, 15 de julho, comemora-se, no Brasil, o Dia do Homem. A homenagem ao homem foi proposta pelo ex-presidente russo Mikchail Gorbachev e apoiada pela ONU. A idéia era a de uma comemoração internacional no mesmo dia, mas cada país acabou escolhendo uma data.

Note bem: não se trata do Dia do Homem – espécie humana: é o Dia do Homem mesmo, o que exclui as mulheres que já têm o seu Dia Internacional da Mulher,comemorado em 8 de março.

Rejubilai-vos, portanto, ó homens, porque este é o vosso dia!

Finalmente e oficialmente reconhecidos, resta-nos perguntar: afinal o que é que se comemora? A masculinidade? A virilidade?

Uma rápida consulta na internet digitando as palavras “Dia do Homem” nos devolve várias referências, a maioria delas com piadas a respeito do papel do homem. Numa delas, machista, pergunta-se: quem é que levanta os pés quando ela varre a sala? E vai-se por aí afora.

No Dia do Homem vale lembrar que o papel do homem tem mudado ao logo dos anos, tanto na família como na sociedade. Ainda bem! Descontados os espíritos mais apegados à posição dominadora do homem na família, a verdade é que a libertação das mulheres devagar vai retirando dos ombros masculinos o peso de enormes responsabilidades. A palavra “divisão” passou a soar bem aos ouvidos masculinos ainda que, às vezes, provoque recaídas por ofensa à vaidade dos machos. É desse modo que estatutos milenares de dominação vão sendo minados e a mulher passa a repartir espaços antes só pertencentes a pessoas de sexo masculino.

Mas, homem é homem e todo mundo sabe disso, inclusive das obrigações inalienáveis ao sexo de Adão. Um barulho dentro de casa na madrugada, quem deve se levantar e enfrentar o perigo? Ratos, aranhas, baratas, de quem é o papel de exterminador? E quanto àquelas malas pesadas? E a quem cabe cuidar dos carros? Se o chuveiro queimar, se a pia entupir, se houver um vazamento, se houver bronca com o vizinho… E a quem cabe esperar, já vestido, prontinho, naquela meia-hora de atraso para a festa dos amigos? E por aí afora. Vida de homem é dura, não custa lembrar.

Brincadeiras à parte, convenhamos que esse tal Dia do Homem é muito bem-vindo. Há muita coisa para ser lembrada na data que o bom Gorbachev, aquele que derrubou o muro, inventou. Creio que neste dia os órgãos públicos deveriam aproveitar a oportunidade para lembrar aos homens que eles têm próstata e que eles precisam cuidar dela, isso pra ficar num só exemplo. Também não seria mau se as pessoas se lembrassem que o machão da família não é tão machão e fortão assim e vive dando um duro danado para manter as coisas nos lugares e as pessoas felizes. E, também, que apesar do jeitão às vezes meio arisco e auto-suficiente, esses caras chamados de homens não passam de uns crianções que gostam muito de receber um carinho. Aliás, hoje é um bom, um excelente dia para presenteá-los com um abraço, daqueles bem apertados e, se o tempo estiver bom, uma montanha de beijos.

A congregação masculina agradece.

Nem só as crianças têm medo

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Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), escritor norte-americano, é um mestre das histórias de horror. Ele jamais escreveu histórias que não as de horror. Em suas narrativas aparecem imagens do subconsciente e há a utilização de símbolos relacionados a monstros e divindades ancestrais.

Segundo Lovecraft a mais forte e mais antiga emoção do homem é o medo e a espécie mais forte e mais antiga de medo é o medo do desconhecido. Para ele as histórias de horror sempre existiram e existirão porque,

“as crianças sempre terão medo do escuro, os homens de mente sensível ao impulso hereditário sempre tremerão ao pensamento de mundos ocultos e insondáveis de vida diferente que quem sabe pulsam nos abismos além das estrelas ou sinistramente oprimem o nosso próprio globo em dimensões perversas que somente os mortos e os dementes podem vislumbrar”.

Sempre fui um aficionado das histórias de horror, aquelas que começam com uma situação mais ou menos banal e evoluem para uma atmosfera sufocante, realmente irrespirável e desafiando a lógica comum. Em síntese, histórias que incorporam o sobrenatural ao cotidiano. São exemplos desse tipo de narrativa os romances de Lovecraft e os contos de Edgar Allan Poe (1809-1849). Diferentes deles são certas histórias que abusam do expediente macabro baseando-se mais na surpresa e no susto. Infelizmente, nos últimos anos o cinema tem produzido obras dessa natureza com o uso abusivo de clichês cuja única intenção é a de asssustar através de exageros pictóricos, imagens deformadas e situações macabras. Trata-se de um horror sem inteligência cujo maior intuito é estimular sensações semelhantes às experimentadas em situações de perigo real. Portas que se abrem de repente, mulheres que acordam durante a noite e andam em ambientes escuros, monstros de todos os tipos, pesadelos que se tornam reais, existe toda uma parafernália de métodos impactantes com a função de levar o espectador ao grito diante de algo que se figura a ele insuportável.

Por que escrevo sobre isso? Em primeiro lugar para lembrar aos leitores que existem nas livrarias excelentes obras de literatura de horror que merecem ser lidas. Em segundo porque noite dessas ouvi um professor de filosofia falar, num programa de televisão, sobre a relação entre o escuro e o medo. Se bem entendi a colocação do professor, para ele no mundo menos iluminado do passado existiria mais medo que no mundo atual.

Não sei se isso está correto. A piada sobre o fato de que a luz elétrica reduziu a atividade dos fantasmas tem lá o seu sentido e graça. Entretanto, o verdadeiro horror prescinde do escuro embora este o acentue. Situações fantasmagóricas podem muito bem acontecer às claras. Excluída a possibilidade de ladrões, quem não se incomoda com ruídos estranhos e inexplicáveis dentro de casa a qualquer hora do dia ou da noite? Objetos que caem sem que alguém os toque não causam arrepios? E as portas que batem, aparentemente sem a ação do vento? Os relógios que despertam de madrugada sem que tenham sido programados para isso? E os aparelhos eletrônicos que ligam sozinhos, de repente? Que dizer de pressentimentos que se confirmam? E sobre os sonhos da morte de pessoas que acaba acontecendo?

Quanto a mim, fico com a famosa frase: não creio em fantasmas, mas que eles existem, existem. Quando menino passava férias na casa antiga de minha avó, imóvel rico em histórias sobre as gerações de moradores que ali precederam a minha família. A maioria dos antigos moradores morreu naquela casa e foi velada na grande sala onde, anos depois, nos reuníamos após o jantar. Esses mortos estiveram presentes na minha infância e, ainda menino, tive medo deles. Certa ocasião, decorridos muitos anos e sendo eu já adulto, retornei àquela casa e dormi em um de seus quartos. Embora eu já não acreditasse em fantasmas, não posso dizer que dormi sossegado. Se bem me lembro, naquela noite eu me esqueci de apagar a luz do abajur…

A velha casa de minha avó foi derrubada por uma incorporadora que usou o terreno para construir um prédio de apartamentos. Muita gente mora nesse prédio e não há notícias de que os falecidos moradores tenham perturbado o sossego de ninguém.

Roberto Carlos no Maracanã

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Não sei precisar a data, mas a primeira vez que ouvi Roberto Carlos foi na casa da tia de um amigo. Havia um rádio na cozinha e quando aquele que seria chamado de Rei começou a cantar, a dona da casa disse:

- Esse rapaz vai longe.

E ele foi longe, muito longe, tanto que está celebrando os seus 50 anos de carreira com vários shows. O último deles aconteceu no sábado à noite, no Maracanã, com a presença sessenta e oito mil pessoas.

Não é tarefa simples entender e explicar a empatia de Roberto Carlos com seus milhares de fãs, mas o show do Maracanã nos oferece algumas pistas. Uma é a imagem profissional do cantor, sempre ele com a gesticulação que todos conhecem e esperam, o emblemático terno branco, o eterno sorriso e a voz que diz e canta exatamente as músicas que as pessoas querem ouvir; a outra, a impressionante carreira de sucessos cujas letras são de domínio público e que todos repetem de cor: a um simples gesto do artista milhares de pessoas imediatamente cantam o verso seguinte da música introduzida por ele. É esse fato que faz de Roberto Carlos um ente familiar, alguém cuja vida se conhece, um parente que vemos de vez em quando, artista que deu e dá voz a prazeres, mazelas amorosas e desgraças cotidianas acontecidas com as pessoas. De fato, é no drama, no desconsolo das idas e voltas do amor, nas perdas irreparáveis, que o artista imanta o seu público fazendo-se parceiro de sua dor. Roberto não esconde que sofreu, fala sobre a sua vida de homem comum e tão igual a de tantos: trata-se de um Rei que pode se dar ao luxo de desmitificar-se para atingir o coração de seus súditos, verdadeiro Pã sabedor de que ninguém pode resistir aos encantos de sua flauta mágica.

Num show quase sempre irrepreensível e marcado pela grandiosidade, Roberto teve tempo para repassar inúmeros de seus sucessos nem sempre obedecendo à cronologia das épocas em que foram lançados. Entre uma música e outra conversou com o público bem a seu modo, dizendo muito com poucas palavras. A temperatura emocional elevou-se na parte final quando seus antigos parceiros, Erasmo Carlos e Wanderléia, foram chamados ao palco. Erasmo veio com o seu jeito gauche de tremendão mas nem tanto, ele que sempre foi o outro de Roberto, tão diferente do cantor em tudo, mas de alguma forma sua alma gêmea. Cantaram chorando a música “Amigo” e o público com eles indiferente à chuva forte que caía sobre o Maracanã.

No final não foi possível evitar o confronto entre as imagens dos três artistas quando participavam da “Jovem Guarda” e as de agora. Certa melancolia de passado, de cinqüenta anos depois e da irreversibilidade do tempo somou-se à grande emoção do momento.

Roberto Carlos entrou no palco dirigindo um calhambeque azul e foi-se embora no mesmo veículo. Deixou atrás de si um público ainda magnetizado, cantando a música “Jesus Cristo”. Pessoas choraram com ele episódios de suas próprias vidas datados pelos sucessos do cantor em cada época.

A noite terminou com um show de fogos de artifícios disparados das marquises do Maracanã cujo brilho efêmero parecia nos advertir sobre brevidade de cinqüenta anos decorridos, ainda que coroados de êxitos e comemorados em plena glória.

Pirataria em alto mar

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O mar sempre fascinou poetas, contistas e romancistas. Joseph Conrad (1857-1924), um polonês que escrevia em inglês, é um grande romancista em cuja obra são frequentes narrativas envolvendo temas relacionados ao mar. Entre muitos livros, Conrad escreveu “Lord Jim” e “O coração das trevas”, este último utilizado por Francis Ford Coppola para o roteiro do filme “Apocalipse Now”. “Lord Jim” e “O Coração das Trevas” são leituras obrigatórias para todos os que se interessam por literatura.
Entre as histórias sobre o mar têm muito destaque e contam com a preferência do público as que envolvem a pirataria. Recentemente os cinemas exibiram filmes da série “Piratas do Caribe” arrastando multidões às salas de exibição. O fato é que existe uma tendência a olhar os piratas romanticamente. Eles representam um tipo de “fora-da-lei” que se move nas imensidões dos oceanos e à sua imagem ligam-se aspectos de aventura, coragem, protesto, conquistas e por aí afora.
Se a ficção trata os piratas como seres errantes e nem sempre comprometidos com o banditismo a realidade é bem outra. A própria História do Brasil é marcada por episódios de pirataria nos quais a intenção nada romântica dos piratas era saquear a costa marítima do país. Um deles, Thomas Cavendish (1555-1592), corsário inglês, saqueou as Vilas de Santos e São Vicente em 1591. Fato curioso é que anos atrás um bar, em Santos, adotou o nome de Thomas Cavendish numa curiosa homenagem ao bandido dos mares.
Mas o que pouca gente se dá ao trabalho de reparar é o fato de que a pirataria ainda existe nos dias de hoje e sob formas muito violentas. Nesses dias o navio alemão Hansa Stavanger está em mãos piratas somalis, aprisionado que foi há três meses. A notícia está no semanário alemão “Der Spiegel” que reproduz a mensagem enviada pelo capitão do navio. Diz o capitão: não aguentamos mais.
Segundo o “Der Spiegel” o capitão refere-se ao fato a tripulação aprisionada estar exausta física e emocionalmente. Cada dia de cativeiro é mais um dia de inferno: comida e água são insuficientes, os piratas estão cada vez mais agressivos, há tripulantes doentes e a tripulação é frequentemente ameaçada de morte.
O Hansa Stavanger foi atacado subitamente no Oceano Índico. Atingido por dois projéteis que incendiaram a ponte e por rajadas de metralhadoras, o navio foi dominado. Inicialmente os piratas exigiam US$ 15 milhões e agora pedem US$ 6 milhões. Ameaçam destruir o navio caso não recebam o dinheiro. As negociações prosseguem e a situação dos reféns é insustentável. Tentativas de resgate revelaram-se perigosas demais e infrutíferas.
Os piratas somalis desmentem as imagens românticas sobre piratas mostradas em vários filmes. Dias de terror e medo acontecem a bordo do Hansa Stavanger, navio cargueiro de containers de Hamburgo. Como diz o “Der Spiegel”, o jogo não é apenas sobre vidas humanas – é sobre dinheiro. Muito dinheiro.