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A literatura policial

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Nesses tempos em que a vida estressante cobra descontração, nada melhor que mergulhar no mundo das narrativas policiais. Embora muitos críticos de literatura insistam em negar maioridade ao gênero policial – que definitivamente enquadram abaixo do que consideram como verdadeira literatura – não se pode negar a extraordinária qualidade de muitas narrativas e o grande interesse que despertam em seus leitores.

Qual a razão do sucesso? Por que assistimos às várias séries de TV cujos roteiros são histórias policiais? Isso acontece porque romances e contos policiais possuem características próprias que nos atraem. Ação, emoção e aventura são ingredientes que cercam os movimentos dos heróis, os melhores deles detetives particulares que na verdade pouco apresentam de heroísmo. São personagens dúbios, capazes de deslizes, mas com inclinação para a prática do bem. É assim que se vêem envolvidos em situações inesperadas nas quais correm riscos, batem e apanham, sempre perseguindo o fio da meada que os levará à solução do caso.

Nas histórias policiais o suspense é uma constante. Quase sempre narradas em primeira pessoa – em geral quem fala é o detetive ou alguém próximo a ele – as tramas consistem em conduzir o leitor em meio a um emaranhado de hipóteses. Interessante notar que nem sempre se trata dos clássicos narradores não confiáveis sobre cuja existência nos advertem os manuais de teoria da literatura.  De fato, os narradores-detetives dividem com o leitor as suas dúvidas, fazendo-o andar a seu lado durante a investigação e a ele propondo as pistas que progressivamente se apresentam.

Abordo esse tema porque há alguns anos deixei de ler histórias policiais. Recentemente adquiri um dos livros do escritor Raymond Chandler intitulado “Adeus, minha adorada”.  Comecei a ler e não consegui parar antes da página final. Reencontrei nesse livro o Philip Marlowe, detetive sofisticado que possui formação universitária, gosta de xadrez e ama música clássica. Marlowe é contratado para encontrar uma moça desaparecida; o restante da história fica para quem vier a ler o livro.

As histórias policiais conferem a quem as lê grande prazer. Conduzidos pelos narradores participamos da solução de intrigas propostas e isso nos afasta da rotina diária - o que não é pouco.

Entre os autores de romances e contos policiais Raymond Chandler é uma ótima lembrança. Você que não está habituado a esse gênero - ou o abandonou - leia Chandler, um grande mestre das histórias policiais.  Seus livros podem ser enciontrados nas livrarias e a custo baixo em boas edições de bolso.

Por onde anda o Chico?

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Foi um tio quem me contou sobre o Chico. Consta que ele associou-se a um parente na lavoura e foi roubado por ele na divisão dos lucros. Tempos depois, emboscou o parente que voltava a cavalo para o sítio. Um tiro no peito enviou o parente para o caixa-prego; o Chico foi preso, julgado e, na falta de testemunhas, o júri o entendeu como inocente.

Conheci o Chico como ajudante a carregar caminhões com seus poderosos músculos, forte que era. Trabalhava aos gritos, vivia aos gritos, voltando-se o tempo todo para trás porque algo ou alguém parecia persegui-lo. Chamava atenção vê-lo em permanente desespero, amaldiçoando seres invisíveis que não lhe davam tréguas, dia e noite. Paz, talvez, só enquanto dormia na boléia dos caminhões, peito aberto ao sereno da madrugada.

O Chico sumiu há muitos anos, misteriosamente, dizem que levado pelo parente morto que o perseguia. O fato é que desapareceu e nunca mais foi visto. Sua irmã, Dona Virgínia, mulher religiosa e convencida da morte do irmão, debalde procurou pelo seu corpo. No fim desistiu e mandou colocar lápide no túmulo pobre da família com o nome do Chico.

Dias trás visitei o cemitério onde estão enterrados meus pais e passei pelo túmulo onde hoje também repousa Dona Virginia. Vi a lápide meio apagada com o nome do Chico e tive a sensação de que, de algum modo, ele estabeleceu um tipo de pacto diferente com a eternidade e continue vagando por aí, amaldiçoando, xingando quem o persegue, essa a sua condenação.

Escrito por Ayrton Marcondes

24 abril, 2009 às 11:56 am

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Postado em Literatura

Mínima notícia sobre “Os Sertões”

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sertoesMas, afinal, de que assunto trata o livro Os Sertões?

Pergunta simples, resposta complexa. Podemos encaminhá-la lembrando que, em 1897, ocorreu no sertão da Bahia episódio que ficou conhecido como a Guerra de Canudos. Chefiados por Antônio Conselheiro, sertanejos reuniram-se numa cidadela - chamada Canudos – situada nas margens do rio Vaza-Barris. O crescimento da nova comunidade e as características de seu líder e adeptos incomodou fazendeiros da região pela redução da mão-de-obra disponível nas fazendas; acrescendo-se a isso o não pagamento de impostos e práticas consideradas incompatíveis com a religião, gerou-se situação considerada de exceção pelo governo estadual e, logo depois, pelo governo federal.

A tentativa de dissuadir os conselheiristas a abandonarem o local através de intervenção da Igreja – dois capuchinos visitaram Canudos para este fim – resultou inútil. A partir daí, pequenos incidentes precipitaram ações progressivamente maiores dos governos estadual e federal. Foram realizadas quatro expedições militares contra Canudos. O fracasso da terceira expedição, formada por 1300 homens, transformou Canudos num problema nacional: atribuiu-se à cidadela a condição de foco monarquista, isso numa época em que o regime republicano estava por se firmar e temia-se o retorno da monarquia.

A quarta expedição, comandada pelo general Artur Oscar, enfrentou grande resistência dos canudenses e prolongou-se por tempo além do previsto. Ante o iminente fracasso de mais uma expedição o Ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, foi enviado ao palco das operações. É nesse momento que se inicia a participação de Euclides da Cunha no conflito. Em março de 1897 Euclides havia escrito dois artigos sobre Canudos no jornal O Estado de São Paulo sob o título de A Nossa Vendéia. No primeiro desses artigos traduzia a impressão de que o movimento de Canudos visava a restauração da monarquia. Entretanto, para o articulista, o simples desejo de restauração seria insuficiente para explicar tão grande sublevação. Havia, portanto, em Canudos um mistério a se desvendar. Além disso, adiantava-se Euclides ao tom dos artigos escritos na época, alertando para as condições geográficas do sertão, estas talvez o maior inimigo das forças republicanas.

Convidado por O Estado, Euclides da Cunha licenciou-se de suas atividades e tornou-se repórter daquele jornal. Tempos depois, embarcou em direção a Salvador viajando no mesmo navio que levava Machado Bittencourt. O desembarque na cidade aconteceu em 7 de agosto sendo que ali ficaram até 30 de agosto, data do início da viagem ao sertão. Dos dias em que Euclides esteve em Salvador e de todo o período de viagem a Canudos resultaram vários artigos enviados por ele e publicados pelo jornal. Toda essa correspondência de guerra foi mais tarde reunida num livro de reportagens intitulado Diário de uma Expedição.

Chama atenção nessas reportagens a progressiva mudança das opiniões de Euclides: o contato com a realidade do sertão e a extraordinária capacidade do escritor para observar e analisar detalhes ignorados por outros rapidamente o convenceram de que a guerra que supunha-se rápida não estava por terminar; que Canudos de modo algum seria foco de resistência monarquista com intenções restauradoras. Canudos era, sim, uma sociedade velha gerida pela autoridade do Conselheiro e ininteligível aos brasileiros do litoral.

Canudos finalmente caiu nos primeiros dias de outubro de 1897. População dizimada e arraial destruído, a vitória foi comemorada com grandes manifestações na capital federal. A espantosa resistência dos jagunços resultou em mais de cinco mil mortes nas tropas do Exército – considerando-se as quatro expedições.

Terminada a Guerra Euclides da Cunha retornou às suas atividades de engenheiro junto à Superintendência de Obras do Estado de São Paulo. Entretanto, já trabalhava em seu livro que só viria a ser publicado em 1902.

Em Os Sertões Euclides da Cunha não se limita a narrar os episódios da sangrenta Guerra de Canudos a qual denunciou como crime. Para explicar os fatos ocorridos no sertão da Bahia o escritor serve-se de todos os meios que, na época, estão ao seu alcance. Exaltando a influência do meio e da raça no comportamento coletivo, Euclides recorre à geografia, à sociologia, às características climáticas, raciais e biológicas, às biografias, ao linguajar dos caboclos, aos depoimentos que ouviu e todo o conteúdo do que pode observar no sertão. Só munido de tais ferramentas pode estabelecer as diferenças entre o brasileiros das regiões litorâneas e as incultas gentes dos sertões, submetidas às mais precárias condições de vida, ao ambiente geográfico e climático completamente desfavorável. Foi desse modo, analisando profundamente os móveis que permitiram o surgimento da coletividade canudense que Euclides, aos poucos deixando de lado suas convicções científicas moldadas segundo o determinismo vigente na época, pode ver no jagunço outra sorte de brasileiros cuja defesa procedeu através das páginas de seu livro vingador. Sobre isso nos diz Silvio Rabelo, um dos biógrafos de Euclides: ” Ele viu na resistência heróica dos jagunços do Conselheiro mais que uma possível ameaça às instituições e à ordem estabelecida. Ele viu o direito de sobrevivência de uma população que estacionara por não ter tido condições favoráveis à assimilação dos valores culturais do litoral, em bases econômicas mais sólidas e sob influência de idéias mais avançadas. Os Sertões são, deste modo, um brado e brado quase inútil, contra o crime de um governo que abandonara a sua gente a uma natureza nem sempre propícia à vida e a uma organização social nem sempre compatível com a dignidade humana; e, mais do que isto, exterminara-a sem nenhuma condescendência.”

É a variedade de recursos utilizados por Euclides na confecção de seu livro – história, geografia, etnologia, sociologia, etc – que torna inúteis as tentativas de classificar Os Sertões dentro de gêneros literários estanques. Livro de história, sociologia, literatura ou simples ficção? Impossível responder a não ser para dizer que Os Sertões são a um só tempo um pouco disso tudo e, mais que isso, obra genial de um genial escritor.

Há na prosa de Euclides muito de poesia conforme atestaram alguns estudiosos. A linguagem é rica e profunda sugerindo estar o escritor a esculpir suas palavras, metodicamente. É muito dele o uso de palavras incomuns e mesmo a busca de termos arcaicos quando não encontra no vocabulário de sua época algo que sirva para traduzir com fidelidade a imagem que empresta ao leitor. Precisão de relojoeiro, de alguém atento ao ritmo e às sonoridades, alguém que tem o gosto por paradoxos e que abusa de contrastes para deles extrair a força máxima de palavras e imagens. Assim, a riqueza verbal de Os Sertões é estonteante, obra de quem força a língua aos seus limites para dela extrair o máximo.

O grande livro que é Os Sertões paga tributos aos conhecimentos científicos vigentes á época em que foi escrito. Entretanto, Euclides da Cunha rompe com a camisa-de-força dos princípios então disponíveis para descobrir nos sertanejos a grande força que os conduz ao extermínio, embora sem jamais render-se. “O sertanejo é, antes de tudo, um forte” e “Canudos não se rendeu” estão entre as máximas imorredouras da obra de Euclides da Cunha e traduzem com fidelidade a natureza do trabalho a que ele se dedicou.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 março, 2009 às 8:40 am

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Postado em Literatura

Euclides da Cunha - I

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euclides_da_cunhaAgosto será o mês do centenário da morte de Euclides da Cunha, o grande escritor de Os Sertões. A data certamente despertará novas revisões sobre a obra de Euclides e sua vida, considerada trágica por alguns de seus biógrafos.

Os iniciados em Euclides certamente retornarão a Os Sertões, livro cujo assunto é a Guerra de Canudos mas no qual o escritor faz lúcido estudo sobre o Brasil. Graças a esse estudo Euclides faz parte de seleto grupo de escritores conhecidos como Intérpretes do Brasil entre os quais figuram nomes como  Sérgio Buarque de Holanda, Oliveira Viana,Caio Prado Jr., Gilberto Freyre e alguns outros.

Entretanto, situar Euclides da Cunha apenas como um dos intérpretes do Brasil é reduzir a grandiosidade de sua obra sobre a qual  teceremos comentários em outras ocasiões. Por ora, o que nos move é aproveitar a oportunidade para convidar os não iniciados na obra euclideana a um mergulho em Os Sertões. Para os interessados na biografia do escritor, recomendamos o livro “História e Interpretações de Os Sertões” de autoria de  Olimpio de Sousa Andrade. Trata-se de vasto estudo sobre Os Sertões no qual o biógrafo destaca a trajetória de Euclides da Cunha  e seu empenho para produzir aquele que é por muitos considerado um dos maiores livros - senão o maior - escritos em língua portuguesa.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 fevereiro, 2009 às 4:32 pm

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Postado em Cotidiano, Literatura

John Updike

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John UpdikeMorreu nesta semana o escritor norte-americano John Updike, autor de muitos livros traduzidos entre nós. Entre eles, destaca-se a série “Coelho Cai”, “Coelho Corre”, Coelho cresce” e “Coelho em crise”.

Updike pertence a uma geração que sucedeu outra à qual pertenceram grandes nomes da literatura norte-americana: Ernest Hemingway, William Faulkner e Scott Fitzgerald.  Este último tem sido lembrado ultimamente graças a um pequeno conto que escreveu e que faz parte do livro “Seis contos da era do jazz”. Um desses contos é  “O Curioso Caso de Benjamin Button”, agora transformado em filme e em cartaz nos cinemas.

Livro interessante de Updike é uma coletânea de ensaios intitulada “Bem perto da costa”. No livro, Updike situa os ensaios como escritos menos perigosos, realizados bem perto da costa; na mesma linha, os textos técnicos são os escritos de terra firme;  já os romances pertecem ao universo das vastidões oceânicas onde o escritor está só em seu pequeno barco e à mercê de toda sorte de perigos. Quem já se aventurou pelos caminhos da elaboração de textos concordará essa opinião de Updike.

Escrito por Ayrton Marcondes

29 janeiro, 2009 às 4:48 pm

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Postado em Cotidiano, Literatura